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Resenha | O Exorcista: do Romance ao Filme de William Peter Blatty


Poucas histórias de terror deixaram cicatrizes tão profundas no imaginário popular para que a simples menção de seu título seja capaz de causar arrepios no mais corajoso dos leitores. O Exorcista de William Peter Blatty é uma delas, mais de cinco décadas após sua publicação original, sua força e importância ainda são sentidas nos cantos mais obscuros da cultura pop, sua influência ultrapassou barreiras midiáticas e impactou incontáveis gerações com pesadelos e terrores noturnos. Dentre os diversos subprodutos que o clássico original produziu, um dos mais interessantes é "O Exorcista: do romance ao filme", uma pérola esquecida escrita pelo próprio William Peter Blatty, que oferece uma janela para a mente do criador através da dissecação do processo de escrita e da adaptação cinematográfica de sua obra-prima.

O livro se inicia com uma introdução do autor discutindo as origens do romance, seus percalços até a publicação e sua transformação em filme. A ideia surgiu enquanto Blatty ainda cursava o penúltimo ano da Universidade Georgetown em Washington D.C., após ler na edição de 20 de agosto de 1949 do Washington Post sobre o exorcismo de um menino na região. O artigo é reproduzido em sua totalidade no livro e oferece uma ilustração interessante dos elementos que mais tarde se tornariam os tropos clássicos do subgênero de possessão diabólica. Entretanto esta não foi a única fonte de Blatty, que fez questão de investigar os rumores locais que a ocorrência de um exorcismo em tempos "atuais" gerou, buscando capturar seu impacto nas pessoas comuns e seu reflexo em medos e ansiedades cotidianas.

O que mais chamou a atenção de Blatty foi a oportunidade de explorar a dualidade entre o bem e o mal a partir da materialidade de uma experiência verdadeira, ressoando com sua criação católica (sobre a qual o autor se debruça em seu livro de memórias "Direi Que Lembro de Você", publicado pela Nova Fronteira em 1973), pois se o mal existe e consegue se manifestar nesse mundo, isso significa que o bem também é real. Ao longo dos anos Blatty continuou a pesquisar sobre o tema, mas foi somente em 1963 que a ideia de transformar o projeto em um livro realmente se cristalizou em sua mente. Nessa época ele já era um autor conhecido de comédias e quando externou a intenção de escrever sobre um exorcismo, com o perdão do trocadilho, ninguém botou fé. Nem seu agente literário, seu editor e até mesmo seu dentista achou que a premissa funcionaria. Essa desilusão continuou até 1967, quando conheceu alguém de uma editora diferente disposto a ouvir sua ideia.

Para ilustrar seu enredo e vender a ideia para a editora, Blatty escreveu uma extensa carta, que além de estar reproduzida integralmente no livro, é ricamente comentada pelo próprio autor. Praticamente nada dessa trama original sobreviveu, mas ler o embrião do que mais tarde se tornaria o Exorcista é uma experiência maravilhosa. O primeiro rascunho da história discute os diferentes processos de se reencontrar com a crença religiosa, a partir da perspectiva de uma mãe ateia e de um padre que perdeu a fé. A mãe seria confrontada pelas ações de seu filho, que cometeria um crime hediondo, ela buscaria auxílio psiquiátrico para provar que ele não estava em condições normais no momento do crime, mas como essa defesa não funcionaria, teria que recorrer à Igreja para provar que o menino estava possuído. Ela encontraria ajuda na improvável figura de um padre que perdeu a fé e que a reencontraria no confronto com a entidade que possuiu o menino. Essa estranha entidade seria o espírito de uma mulher que viveu na Judéia nos tempos de Jesus Cristo e que atacaria psicologicamente o exorcista afirmando que conheceu Jesus, descrevendo-o em termos blasfemos e sacrílegos. 

A introdução prossegue falando sobre a evolução do texto, passando pelas alterações que os editores propuseram para o livro, em especial sobre o final original, que também é apresentado e comentado em detalhes pelo autor. E então temos a edição integral, com todos os diálogos do primeiro roteiro de O Exorcista, adaptado pelo próprio Blatty. A seção seguinte é intitulada "Porque se modificou o roteiro" e oferece todas as discussões que Blatty teve com o diretor William Friedkin, explicando em detalhes o motivo das alterações e reclamando um pouco dos cortes em seu roteiro é claro. Ler a versão do autor para o filme é interessante, especialmente se comparada com o segundo roteiro, a versão filmada que também é apresentada em edição integral, é possível ver toda a genialidade de Friedkin ao remontar o roteiro para o filme que conhecemos. A versão de Blatty seria menos claustrofóbica, teria mais piadas, mais interações entre o demônio e outros personagens, além de maior foco na investigação policial de Kinderman e diversas cenas sem grande importância que se intrometeriam no meio do exorcismo e prejudicariam o ritmo da história.

Talvez o ponto mais crítico do embate entre autor e diretor seja o final do filme, embora Blatty elogie a versão de Friedkin, ainda defende a mensagem do seu final original. O mais curioso nos dias atuais é que o segundo roteiro, apresentado como "O texto definitivo do filme" que faz referência ao original de 1973, seja uma versão pouco conhecida, já que a versão que se popularizou nas décadas seguintes foi a versão do diretor, chamada de "O Exorcista: A Versão que Você Nunca Viu", que se afasta ainda mais das ideias originais que Blatty discute no capítulo "Porque se modificou o roteiro". Para completar a edição deste livro ainda há um charmoso encarte com fotos da produção e bastidores do filme. Se você é fã de O Exorcista, esta não é apenas uma leitura obrigatória, mas também extremamente divertida, William Peter Blatty discorre sobre sua obra-prima com carinho, amor, inteligência e bom humor. 

   
  O Exorcista: do Romance ao Filme (1974) | Ficha Técnica 
   Título original: On The Exorcist: From Novel to Film (1974)
   Autor: William Peter Blatty
   Tradutor: Milton Persson
   Editora: Nova Fronteira
   Páginas: 259 páginas
   Compre: Amazon
   Nota:☠☠☠☠☠☠(10/10 Caveiras)

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