A internet em seus primórdios era algo incompreensível, especialmente para os jovens que estavam crescendo durante a década de noventa, uma coisa nova e misteriosa cuja própria definição se situava no limite entre o real e o sobrenatural. Um lugar onde você era encorajado a buscar informações para fazer seu trabalho escolar, ao mesmo tempo em que era advertido como um local de perigo não especificado, cujas entranhas escondiam segredos assustadores e pessoas mal-intencionadas, onde nossos piores pesadelos e as coisas proibidas pelos pais estavam a cliques de distância. O medo era tão real e palpável que o simples ato de pesquisar um tema proibido era um desafio, que tanto poderia te conduzir a sites amaldiçoados como chamar a atenção de alguma coisa que vagava esfomeada pelos confins obscuros da rede mundial de computadores.
É nesse universo temático e temporal que o segundo volume de Creepypastas: Lendas da Internet mergulha em busca dos relatos mais bizarros e assustadores, vomitados e enterrados nos recônditos mais sombrios da internet. Sua leitura é uma viagem nostálgica para paisagens de pesadelos e memórias de noites insones que acompanharam quem viveu essa época, pois grande parte das histórias é baseada em lendas e relatos populares dos anos noventa. Mesmo quem não tinha acesso a computadores e internet conhecia essas histórias ou versões contextualizadas para seu cotidiano, compartilhadas durante os intervalos na escola ou nas conversas em voz baixa com amigos na rua, que eram o combustível para discussões intermináveis acerca do sobrenatural e o desconhecido.
Um dos momentos mais assustadores do final da minha infância, relacionados ao tema, aconteceu numa dessas tardes intermináveis em que nos reunimos na casa de quem tinha computador para fazer trabalho em grupo. Tudo começou com alguém que disse conhecer um site com fotos reais de acidentes e cadáveres. As imagens que vimos naquele dia foram tão chocantes e assustadoras que estão impressas na minha mente até hoje. O que começou com risadas de descrença terminou em um sufocante ar fúnebre, o computador foi desligado e cada um foi para sua casa em silêncio, completamente aterrorizado. No dia seguinte todo mundo tinha um novo pesadelo para compartilhar. Creepypastas 2 revirou o solo pútrido dessas memórias e me proporcionou uma das leituras mais arrepiantes dos últimos tempos.
100 Cartas de Alec Silva
A história de Alec Silva é uma reflexão sobre o medo associado aos relatos amaldiçoados que encontravam novas vítimas através das correntes da internet. O mais assustador nesses casos é que você nem precisa ir atrás, o horror chega até você deliberadamente enviado por alguém que te conhece. O protagonista da história é obcecado por fóruns da internet, aqueles onde você encontra imagens de cadáveres, dissecação de extraterrestres e aparições de fantasmas. Sua sorte começa a mudar quando recebe uma estranha ligação de um amigo, que em uma voz nervosa compartilha uma história assustadora. Em um dia comum, um esbarrão em uma idosa mal-encarada coloca em movimento as engrenagens de um horror além da imaginação, a mulher lhe entrega um surrado envelope com uma carta, cujo conteúdo de poucos parágrafos estava escrito com letras tremidas. No início ele achou a mensagem engraçada, uma brincadeira de mau gosto. Mas logo uma segunda carta aparece reiterando o que havia na primeira e então mais outras começam a aparecer em lugares inusitados. Desesperado ele começa a buscar respostas em fóruns da internet e se depara com informações e relatos horríveis que confirmam seus piores pesadelos. (10/10)
A Casa de Espelhos de L. A. Tecau
Como seria a vida de uma pessoa confrontada com a existência do sobrenatural que sobreviveu para narrar o acontecido? A história de L. A. Tecau explora o encontro e os traumas de um personagem que sobreviveu a um evento nos anos noventa tão aterrorizante que fez com que evitasse espelhos desde então. O protagonista estava indo em direção ao sítio de seu tio no interior catarinense, para tirar suas merecidas férias e aproveitar o sossego do isolamento para buscar inspiração de um novo livro. No meio do caminho sua moto apresenta problemas mecânicos e na esperança de encontrar ajuda em algum posto de gasolina à frente, ele decide empurrar a moto pela estrada, mesmo com uma forte tempestade se formando no horizonte. É então que à distância ele vê a silhueta de uma carcaça enferrujada que deveria ter sido eras atrás um parque de diversões. Ele decide buscar abrigo da chuva, a única construção que oferece uma cobertura é uma casa de espelhos, e o lado bom é que lá ele encontrará inspiração para o livro, o ruim é que ficará marcado para sempre com cicatrizes psicológicas. (9/10)
A Obsessão que me alimenta de Babi Lacerda
Uma história arrepiante sobre paranoia que pode tanto ser degustada de forma literal, como uma história sobre um objeto amaldiçoado, ou apreciada metaforicamente, a partir da discussão da pressão social existente em relação ao envelhecimento feminino. A protagonista de Babi Lacerda entra em uma espiral de horror após receber de presente de seu marido um espelho de um antiquário, um objeto antigo com belas bordas adornadas por arabescos. O espelho logo conquista um lugar de destaque no corredor, mas as imagens que reflete começam a perturbar sua dona, numa breve olhadela ela vê refletida uma versão sua mais envelhecida, com dentes escurecidos e cabelos brancos desgrenhados. Tomada por uma sensação de medo ela corre em direção a outro espelho e vê seu reflexo normal. Ela precisa respirar e se acalmar, pois hoje é o dia em que o vizinho virá para jantar e apresentará sua nova namorada. Mas ela não consegue evitar pensamentos sombrios e o que seria uma simples confraternização se transformará em um banquete de sangue e loucura. (10/10)
A Passageira de Rodrigo Reis
Inspirado em uma das lendas urbanas mais populares do Brasil, a do "Fantasma do Táxi", Rodrigo Reis transporta o leitor por caminhos conhecidos a maior parte do texto, para em uma guinada brusca oferecer um caminho alternativo, uma reviravolta final que muda tudo o que você acha que sabe sobre a lenda. Na história um taxista está quase no final de seu expediente, rodando pelas proximidades de um cemitério na cidade de Belém, torcendo para conseguir uma última corrida, aquela que vai garantir o dinheiro extra para a gasolina. É então que na entrada do cemitério vê uma moça acenando, seus cabelos lisos negros, pele pálida e vestido branco se destacam na escuridão noturna. Ao parar o táxi e abrir a porta para a jovem recebe um agradecimento em uma voz aveludada e etérea. Tudo transcorre sem problemas, a não ser por um frio estranho que invadiu o carro, embora a moça não demonstre ficar incomodada pelo fato. A passageira pede para que o taxista dê uma volta pelo centro da cidade, sem pressa. Ela começa a fazer comentários estranhos sobre o quanto a cidade mudou e aos poucos começamos a perceber que há algo de muito errado nessa viagem. (10/10)
A Sombra do Disco de Mauro Plastina
A existência de mensagens subliminares era um tópico assustador nas conversas dos anos noventa, os códigos estavam em todos os lugares, de rótulos de refrigerantes a jingles de lojas, e você poderia verificar isso facilmente lendo uma escrita de trás para frente ou tocando uma música ao contrário. O pânico satânico era como uma epidemia que disseminava a narrativa que tais mensagens não eram inócuas e infantis, na melhor das hipóteses você estava sendo hipnotizado para assassinar sua família, e na pior, estava invocando e adorando o próprio Satanás. Mauro Plastina mergulha nesse contexto para oferecer um conto sombrio e arrepiante. Na história, a jovem protagonista recebe de presente de sua mãe um disco de vinil, o LP favorito do pai, que ela costumava a ficar escutando junto dele. Ouvir as músicas a deixou emocionada e nostálgica, isto é, até o toca-discos parar de funcionar. Pedindo ajuda de seu irmão descobre que é possível tocar o LP posicionando a agulha e girando o disco com os dedos. Tudo estava bem até ela girar na direção contrária e ouvir algo que não deveria ter ouvido. (10/10)
Agulhas de Rodrigo Ortiz Vinholo
Numa época em que o medo de doenças transmissíveis através de agulhas usadas estava aumentando, a lenda urbana de que haviam seringas contaminadas em cinemas, cabines de telefone e outros lugares públicos era fonte de uma ansiedade real. Mais do que simplesmente uma agulha jogada em algum canto esquecido, o horror estava na existência de alguém ou alguma força organizada por trás da existência de tais objetos contaminados. Rodrigo Ortiz Vinholo explora essa lenda de forma consistente e arrepiante, a inserção de uma camada sobrenatural só torna o texto ainda mais angustiante. Na história, o protagonista está assustado num consultório médico, o doutor lhe diz que ele está bem e que não tem nada de errado com seu corpo, mas sua memória ainda arde com a experiência do cinema, a sensação da agulha perfurando a pele de seu braço esquerdo e a rápida visão de uma mão branca segurando uma seringa sumindo na escuridão. Ele não acredita no médico e no meio do aperto de mãos, quando as palmas dos dois se encostam ele sente um dor aguda em seu polegar, por reflexo puxa a mão assustado. Dessa vez ele tem certeza, sentiu uma nova agulhada. A paranoia começa a nublar seus sentidos conforme as agulhas parecem perfurar sua carne cada vez mais rápido. (10/10)
Amigo Oculto de Alan de Sá
Alan de Sá oculta a premissa de sua história até as últimas páginas, oferecendo um inteligente jogo de luz e sombras que nos leva por um labirinto de conjecturas, o texto desvela vários vislumbres que podem ser interpretados de diversas maneiras até a reviravolta final revelar uma das creepypastas mais arrepiantes que existem por aí. Na história a protagonista é uma jovem que cresceu em uma cidade pequena e se mudou para a capital para estudar em uma faculdade. Ela mora sozinha em um apartamento, motivo este que faz com que um amigo lhe peça um favor, oferecer abrigo para um parente que está voltando de uma viagem do exterior. A mudança desse novo personagem acionará uma avalanche de acontecimentos que culminará na revelação de um segredo assustador. (10/10)
Boneca Russa de Álex Souza
Um dos boatos mais assustadores da internet é que em suas profundezas você é capaz de encontrar qualquer coisa ou serviço disponível para venda, de drogas ilícitas a tráfico de seres humanos. A creepypasta mais arrepiante sobre o tema discorre sobre a existência de pessoas cirurgicamente modificadas para servir qualquer propósito escuso e sombrio que a mente mais doentia conseguir conceber. Álex Souza recria um desses cenários de pesadelo em todos seus detalhes viscerais e perturbadores, seu texto é pesado, ultrajante e e cheio da matéria escura dos quais sonhos ruins são feitos. É o tipo de história que fica grudada na mente muito tempo após a leitura. A protagonista é uma jovem russa que é retirada de um orfanato em direção a um futuro horrível, ao invés de um lar o que a espera é um inferno de dor e agonia. (10/10)
Casa das Aves de Rodrigo Reis
Rodrigo Reis se utiliza de elementos do folk horror para descrever um pesadelo paterno sobre o nascimento de um filho em um texto mergulhado em vísceras e sangue. A história é sobre um casal que após inúmeras tentativas fracassadas de conceber um filho, nem mesmo a benção da ciência deu resultado, estava com a esperança minguando até receber pelo correio um panfleto que oferecia uma última tentativa desesperada. Falava de um lugar capaz de ajudar na geração de uma criança, uma espécie de retiro para casais em um sitio no interior chamado Casa das Aves. De início o lugar se assemelhava a um paraíso idílico, o contato com a natureza, o ar puro e os pássaros ao redor eram revigorantes. Entretanto as coisas começam a ficar estranhas conforme se dão início os rituais de fertilização. (8/10)
Dias Sombrios Noites Claras de Diego de Araújo Silva
A história de Diego de Araújo Silva se baseia em uma conhecida lenda folclórica associada aos terrores noturnos. Seu protagonista não dorme há muito tempo, sua noção de realidade está nublada por uma espécie de sonolência onírica, algo de muito horrível está acontecendo com ele enquanto dorme, mas sua percepção de realidade prejudicada pela falta de atenção o impede de raciocinar direito. Perdido em seus pensamentos, entremeados por uma sensação de irrealidade ele passa o texto inteiro tentando manter os resquícios de uma rotina minimante saudável até ter de enfrentar o horror que assola suas noites. (6/10)
Ed, 1990 de Bruno Godoi
Bruno Godoi constrói sua história baseado na lenda do Rake, uma criatura cujas fotos e relatos de aparições estavam entre as mais populares e assustadoras dentre todas as creepypastas, o texto funciona melhor para um leitor que já tenha um mínimo de conhecimento prévio sobre o ser, já que aspectos de sua mitologia são inseridos de forma bem implícita na narrativa. O protagonista passou duas noites em um hotel, na manhã do terceiro dia, após o café da tarde, saiu pela porta da frente em direção ao trilho do trem, segundos depois foi atingido pela locomotiva e teve seu corpo despedaçado. Ele era mais um dos muitos jornalistas que iam até o local investigar a lenda do Rake. Sua história é reconstituída a partir dos seus escritos e relatos de um empregado local. O texto segue a estrutura básica das creepypastas, o personagem que encontra rastros da autenticidade de uma lenda e por fim encontra o horror absoluto. (7/10)
ERISinninthcirclexxxiv de João Marciano Neto
Um tópico comum das lendas que cercavam a internet na década de noventa era que existiam tecnologias mais avançadas do que as que estavam acessíveis na época, que eram usadas para controlar as pessoas e para os mais diversos fins que a nossa mente comum nem conseguia conceber. João Marciano Neto faz uma incursão a esse contexto e oferece uma história assustadora sobre os limites da tecnologia. Seu conto é narrado como advertência para quem acessar um site específico e estiver em vias de fato de desencriptar arquivos misteriosos. É o último aviso desesperado para evitar que algo seja solto na internet, uma coisa tão cruel e perigosa que poderia significar o fim da humanidade. (10/10)
Faces da Morte Volume 37 de Jean Luca Vedovato
Na época das VHS você encontrava nas videolocadoras filmes de terror com os cartazes mais chamativos, sensacionalistas e assustadores possíveis, uma época em que a classificação indicativa era um sonho distante e os pesadelos deviam ser rebobinados antes de serem devolvidos. Entre as fitas VHS que rodavam de mão em mão, existiam aquelas que tinham fama de serem proibidas e amaldiçoadas, a mais famosa era a Faces da Morte, uma espécie de documentário que fazia compilação de cenas supostamente reais de mortes, acidentes, autópsias e assassinatos. Jean Luca Vedovato retrata com perfeição essa temática em sua história. Um grupo de cinco amigos tinha uma tradição sagrada: se revezar na casa de um deles nas noites de sexta-feira para assistir filmes de terror. Aquele dia era especial, alguém disse que tinha conseguido uma dessas VHS proibidas, o volume 37. Só a existência de um número tão alto de edições já era assustador. Escondidos de suas mães eles se preparam para assistir a fita que irá mudar para sempre suas vidas. (10/10)
Fax de Rodrigo Ortiz Vinholo
A tecnologia como canal de comunicação com o sobrenatural é premissa comum, mas Rodrigo Ortiz Vinholo a executa com propriedade e consegue imprimir aquela aura de Além da Imaginação à sua história. O protagonista está fazendo hora extra em um escritório quando ouve o barulho característico da máquina de fax, ele está sozinho e achando que alguém esqueceu a máquina ligada vai verificar o que está acontecendo. Chegando lá vê que são páginas de jornal que estão chegando, recortes onde alguém destacou uma notícia que o deixa completamente arrepiado. É a nota do seu falecimento. (7/10)
Hora Errada de Kelly Amorim
Kelly Amorim mantém seu mistério pulsando até as últimas páginas, oferecendo uma história que também adentra os limites de Além da Imaginação em uma trama arrepiante. Uma mãe se prepara para buscar seu filho pequeno na escola, após mais um dia de trabalho normal em uma padaria, quer dizer, tirando o fato do movimento de pessoas estar totalmente atípico, para falar a verdade, completamente parado. Ela nota essa falta de movimentação também nas ruas, mais desertas que o normal. Uma sensação de que algo está errado começa a apertar seu coração, a confirmação vem pouco depois, após bater no portão da escola e uma voz lhe dizer que não há nenhuma criança lá dentro. Ela tem certeza de que deixou seu filho ali de manhã. Esse é apenas o início de seu pesadelo. (9/10)
Horror no Bairro de Pedreira de Igor Moraes
Igor Morais utiliza o estilo found footage através de uma fita de áudio para dar voz ao seu narrador. O protagonista sempre se interessou pelo macabro e todas suas manifestações possíveis, tornando-se uma espécie de colecionador de itens insólitos e dono um museu blasfemo, povoado de artefatos como tomos de feiticeiras assassinadas, papiros cabalísticos, múmias de animais, armas antigas e vídeos de snuff. Em uma conversa nos confins obscuros da internet descobriu que havia uma Máquina Enigma da época dos nazistas à venda, o objeto tinha ligações com uma sociedade secreta. Os mistérios do artefato aguçam sua curiosidade e quando conseguir decifrar o segredo profano por trás da máquina, descobrirá os obscuros frutos dos experimentos sombrios nazistas. (7/10)
Insanidade? de L. J. Bruhn
Na história de L. J. Bruhn o protagonista é um jovem que vive em uma casa simples no campo, o horror se imiscuiu em sua vida de forma inocente, com o seu irmão de oito anos indo pegar ovos para o jantar. Naquela noite ele se distraiu com as estrelas que dançavam no céu, não pegou os ovos e ganhou uma reprimenda de seu pai, que tinha se tornado uma pessoa mais amarga com a morte da esposa. Não muito tempo depois, em uma noite chuvosa, entre raios e trovões, os animais do celeiro começam a ficar agitados. O protagonista, munido de um facão, juntamente com seu pai, armado com uma espingarda, saem para investigar. O horror que rastejava pelos limites de suas percepções se faz perceber, marcando o início de eventos estranhos que transformam a calmaria da fazenda em um crescente de sangue e insanidade. (8/10)
Linha direta de Lucas F. F. A.
A história de Lucas F. F. A. mergulha na tradição das lendas do interior para construir uma singela e arrepiante exploração dos impactos da inserção de novas tecnologias no cotidiano e nas crenças de comunidades quase atemporais. A narrativa é construída a partir da transcrição das fitas de um pesquisador que estava reunindo material para publicar uma obra sobre superstições do Brasil moderno. O relato é sobre a história de um orelhão. Na praça da pequena cidade de Santa Rosa havia um orelhão bem antigo que ninguém da cidade usava. Havia causos de incautos que tentavam utilizá-lo sem sucesso, ele nunca funcionava, engolia fichas e seu teclado era duro de se digitar. Era mais fácil usar os outros orelhões da cidade. O curioso era que de madrugada o telefone não parava de tocar, diziam que era um toque estranho, que fazia gelar os ossos do corpo. Quem ouvia o som ficava assustado, conta-se que o bêbado da cidade uma vez se aproximou do orelhão enquanto tocava na expectativa de atender a tal chamada, mas pouco antes de encostar no telefone, ficou sóbrio e saiu correndo. Até é claro que um dia alguém atendeu o orelhão sinistro... (10/10)
O Canto das Baleias de Leonardo Araújo
A história de Leonardo Araújo é claustrofóbica e captura com excelência a interseção sombria de quando o desconhecido é captado pela tecnologia humana. A narrativa segue o estilo found footage, a partir da gravação do protagonista em uma webcam. Ele participava do tratamento psiquiátrico de um estranho paciente que não importava a tipologia dos tratamentos não apresentava melhoras. Na expectativa de encontrar pistas para a origem do seu transtorno, junto de sua equipe, decidiu visitar o apartamento dele. A história do paciente era misteriosa, de alguma forma ele estava envolvido em estranhos desaparecimentos. O local era apertado e de iluminação precária, a única coisa que saltava aos olhos era um computador. Uma rápida investigação levou a descoberta de que o paciente administrava um site chamado Arquivos do Oceano e a última postagem era relativa a um trabalho científico realizado nas fossas das Ilhas Marianas. Eram áudios que foram gravados nas profundezas do oceano. O horror se desenrola quando eles decidem ouvir o conteúdo desses áudios, é então que tudo faz sentido e ao mesmo tempo nada mais faz sentido. (9/10)
O Disquete de Sanna Lemos
A história de Sanna Lemos dialoga diretamente com os medos e ansiedades advindos do desconhecimento dos limites da internet em seus primórdios. O jovem protagonista é viciado em jogos online e passa todo tempo disponível na frente do computador, este era um hobby que compartilhava com seu vizinho, que nos últimos dias havia sumido sem maiores explicações. Não muito tempo depois, quando estava saindo para escola, encontrou o tal vizinho que aparentava estar ansioso e disperso, sem mal trocar duas palavras, ele lhe deu um disquete e orientações de como usá-lo. Na etiqueta estava escrito CUR53. Quando o computador leu o disco apareceram dois arquivos, ele clicou no primeiro e a mensagem "ele já pode te ver, abra o próximo arquivo por conta e risco" apareceu. Achando que era somente mais um jogo misterioso ele continuou e o horror teve início. (9/10)
O Escultor de Leonardo Peccatu
A história de Leonardo Peccatu explora os delírios de uma mente não confiável e as ramificações de um surto psicótico, sua escrita é extremamente efetiva na criação de um clima de apreensão e suspense, há algo de estranho na forma como as descrições são feitas e aos poucos o texto vai revelando sua verdadeira dimensão insólita. Um sentimento de que algo está errado rasteja pela nossa pele durante toda leitura até que os nossos piores medos são confirmados nas páginas finais. A história mostra um escultor e seu processo de esculpir o que será sua obra-prima. (9/10)
Esquife Haitiano de Fabiano Soares
Fabiano Soares escreve um conto divertido e arrepiante que evoca as situações estranhas que todos passamos em algum momento no trabalho, quando horrores reais ganham contornos fantasmagóricos. É o primeiro emprego do protagonista, que trabalha no galpão de carga da alfandega do Galeão no Rio de Janeiro. Entre suas atribuições está a responsabilidade de averiguar tudo o que chega, em busca de qualquer tipo de substância ou material ilícitos escondidos. Uma noite ele atende um chamado estranho, uma mulher estava ali para buscar um esquife vindo do Haiti, onde estava o corpo do seu marido. Há algo de estranho na situação toda e quando se decide passar o caixão pelo raio X se realiza uma descoberta assustadora. (10/10)
O Fim dos Trotes de 1996 de Glau Kemp
Uma das diversões mais perigosas das crianças dos anos noventa, junto a apertar campainhas e sair correndo, eram os trotes com o orelhão. Glau Kemp simplesmente transforma em história o pesadelo de todo mundo que já passou trote um dia: o de encontrar uma pessoa verdadeiramente má. A história começa com o dono de um bar refletindo sobre os desaparecimentos de crianças na região ao observar as ruas silenciosas e as amarelinhas abandonadas. Nos últimos tempos sua vida passou por momentos difíceis, entre o sumiço de seu cachorro e o abandono de sua esposa, ainda teve que enfrentar repórteres invadindo seu bar e fazendo perguntas demais, tentando se aproveitar da dor do próximo. Algo insólito paira no ar e quando um estranho entrar no local e começar a fazer perguntas sobre coisas que o dono não quer se lembrar, segredos sombrios serão revelados. (8/10)
O Homem sob as Cicatrizes de Pedro Gonzales
Pedro Gonzales constrói uma história recheada com um clima insólito que remete ao clássico de Jack Finney, em uma escrita que nos deixa à beira da angústia sugerindo que algo está errado, mas sem mostrar exatamente o que. O protagonista está almoçando após chegar da escola, e sua mãe está fazendo as tarefas diárias, quando seu pai chega do trabalho e logo de cara passa a sensação de que algo não está certo. Ele está agindo de forma estranha, não faz coisas que fazem parte de sua rotina diária, quebrando vários protocolos de pequenos maneirismos. Por trás dos sorrisos e conversa inocentes jaz algo desconhecido. É nesse momento que ele enxerga. A cicatriz no rosto de seu pai. O problema é que seu pai não tem nenhuma cicatriz. (8/10)
O Locutor da Madrugada de Nicolás Irurzum
O conto de Nicolás Irurzum flerta com uma lenda bem interessante, a possibilidade de sintonizar certos programas de rádio e televisão proibidos que só existem de madrugada. Na história, correntes de e-mail espalhavam diferentes versões do acontecido, algumas falavam sobre disparos de armas de fogo, outras de enforcamento. Entre desencontros de informação, surgia a notícia de que um aluno de jornalismo havia cometido suicídio. Boatos de que sua morte estava relacionada ao macabro, mais especificamente a uma rádio amaldiçoada, cuja programação só é captada entre às duas e quatro horas da manhã, onde se escuta apenas o locutor divagando. Quem sintonizar e ouvir até o fim vai passar por um acontecimento muito ruim. Se a pessoa conseguir sobreviver a esse revés terá o poder de incumbir a mesma maldição a um desafeto. E é claro que o protagonista decide verificar se isso é verdade por conta própria. (8/10)
O Último Episódio de Dennis Vinicius
É final de férias, o grupo de amigos já fez tudo o que havia para fazer e agora estão reunidos conversando quando alguém aparece correndo pela rua, trazendo em mãos um CD-ROM que continha uma joia rara mítica: o último episódio de Caverna do Dragão. Como o desenho nunca teve um final produzido, surgiram diversas lendas sobre a possível existência de um episódio perdido e proibido. Na história de Dennis Vinicius, o último episódio foi banido pois as palavras mágicas que Presto usa para abrir um portal para levá-los para casa são amaldiçoadas, aqueles que a disseram em voz alta apareceram mortos horas depois. O grupo de amigos não acredita nessa história de maldição, deve ser apenas uma animação de péssima qualidade feita por fãs, o mais importante seriam as histórias que poderiam contar na escola sobre o feito. Mal sabem que ao decidir assistir ao desenho estão condenando suas próprias vidas. (9/10)
Onde está a Duda? de Alane Brito
Alane Brito constrói uma sólida e arrepiante história sobre uma boneca assombrada. O sonho da protagonista era ter uma boneca Duda, com um metro de altura, pernas flexíveis, jaquetas e botas que cano alto. O brinquedo era caro, mas sua mãe fez um esforço e no dia do seu aniversário de quinze anos ela ganhou um exemplar usado da Duda. Ela não se importava se a boneca não era mais fabricada, ou se existiam histórias sinistras sobre ela. A primeira manifestação aconteceu na mesma noite que a Duda chegou. (10/10)
Pontos de Pecado de Caliel Alves
O protagonista da história de Caliel Alves é um amante de jogos de computador, em uma lojinha de jogos piratas seu irmão se interessa por um jogo estranho, sua cor é amarelo podre, como se estivesse em decomposição. O vendedor toma o disquete de suas mãos e diz que o jogo não é para crianças, que quem joga fica doido. Curiosidade instigada e o jogo é levado para casa. O game não tinha nome e apesar de seus gráficos obsoletos era uma representação assustadora de uma parte do inferno. O objetivo do jogador era realizar tarefas para alimentar os demônios com pontos de pecado, cada má ação rendia recompensas e cada nova fase exigia atrocidades cada vez maiores. O problema é que o jogo parece afetar física e psicologicamente seus jogadores e as consequências são desastrosas. (9/10)
Povo das Sombras de Y. M. Dias
Um grupo de amigas termina de assistir um filme de terror e buscando continuar com o entretenimento temático decidem acessar um site de relatos sobrenaturais. Uma das histórias chama a atenção, os relatos sobre o Povo das Sombras, de pessoas que dizem ter vistos silhuetas sombrias no meio da noite, às vezes tais figuras eram amorfas, às vezes tinham formatos humanoides. Em todos os casos os olhos se destacavam na escuridão por ter um brilho pálido ou amarelado. A única forma de ver o povo das sombras era com a visão periférica. A história assustou as meninas a ponto de dar a noite como encerrada e ir dormir. Mas há certos casos que podemos até tentar abandonar uma história, mas a história não nos deixa tão fácil assim. Y. M. Dias escreve sobre o pior medo de um leitor ao ler um relato sobrenatural: que aquilo aconteça conosco e que justamente a própria leitura em si seja a porta de entrada que atraia a atenção das criaturas para nós. (9/10)
Residência N° 13 de Thainá Christine
A protagonista desperta em um quarto com decoração infantil, ela não consegue se lembrar da noite passada e o quarto que está não tem janelas. Com dificuldade o atravessa em direção a única porta e entra em uma sala escura. Tem início sua odisseia por uma sucessão de cômodos que vão se tornando cada vez mais bizarros. Thainá Christine escreve um conto interessante utilizando como base a creepypasta da casa sem fim. (7/10)
Segredos bem Casados de Francine Cândido
Francine Cândido tece uma narrativa com ares góticos sobre bonecos assombrados, se inspirando na lenda do Boneco Fofão e a suposta faca em seu interior. Na história a fofoqueira da cidade se candidata a uma vaga de emprego na casa de uma das famílias mais importantes da cidade após a notícia de que a dona da casa está grávida. Lá ela descobre os problemas na relação da mulher com seu enteado, que repete a todo momento que ela vai morrer, supostamente repassando os dizeres de um boneco. (7/10)
Y2K de Raquel Pagno
A chegada do novo milênio provocou o surgimento de diversas teorias apocalípticas e da conspiração, desde que o sistema bancário mundial entraria em colapso até que sobre o fim do mundo. Raquel Pagno utiliza esse contexto de pano de fundo para fazer uma análise minuciosa sobre como a mente humana pode se colapsar diante do horror dessas teorias bizarras e como o amor se intercambia com violência numa assustadora demonstração da necessidade de proteção e salvação. Na história uma mãe está assustada com a possibilidade do apocalipse, mesmo tendo se preparado com antecedência, criando um abrigo subterrâneo com recursos, se sente incapaz de continuar. Sua mente busca auxílio na religião, que ao invés de confortar e consolar, explora e busca lucrar com esse medo. O texto é cirúrgico e oferece um tour de force até um final de partir o coração. (10/10)
Creepypastas: Lendas da Internet 2 (2020) | Ficha Técnica
Organizadora: Glau Kemp
Autores: Alec Silva, Babi Lacerda, Rodrigo Reis et al.
Editora: Lendari
Páginas: 230 páginas Compre: Amazon
Nota: ☠☠☠☠☠☠☠☠☠☠ (9/10 Caveiras)
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