Elementais de Michael McDowell subverte as convenções macabras das histórias de casas mal-assombradas ao invocar o gótico sulista para representar as realidades sociais da vida no sul dos Estados Unidos, utilizando o horror para discutir decadência familiar, mortalidade, segredos e pecados que perpassam gerações e a indiferença avassaladora, quase lovecraftiana, da natureza com relação aos seres humanos e suas aspirações. Os elementais desafiam a lógica de tudo o que você conhece sobre fantasmas, assombrações e espíritos, exceto que são incrivelmente poderosos e maliciosos. O horror, ao invés de se esgueirar em uma noite sombria e enevoada pelos corredores de uma mansão secular, rasteja em plena luz do dia ao longo de dunas de areia e pelo interior de casas de praia ensolaradas.
A história se passa em Beldame e seus arredores assombrados, a típica propriedade familiar com uma história sombria, uma área isolada em uma faixa de praia do sul do Alabama, que abriga três casas vitorianas. O isolamento é quase total, sem vizinhos próximos, as casas são acessíveis apenas por determinados meios de transporte e em momentos específicos do dia, devido à maré e seu terreno arenoso. Duas dessas casas são habitadas pelos McCray e pelos Savage, duas famílias intimamente unidas não apenas por serem coproprietárias do local, mas também pelo casamento e por uma amizade antiga. A terceira casa é inabitável, uma grande duna de areia invadiu sua maior parte e avança engolindo cômodos a cada ano. Porém inabitável não significa desocupada, algo não humano se esconde por trás daquelas paredes.
Michael McDowell é habilidoso na construção do suspense ao longo das páginas, revelando aos poucos a verdadeira natureza dos elementais, sutilmente sugerindo eventos causados por suas ações, gerando uma inquietante sensação claustrofóbica conforme nossas expectativas se convulsionam a cada nova revelação. A ambientação gótica sulista dá o tom à narrativa, os momentos mais tensos e assustadores da história acontecem durante os dias claros e absurdamente quentes. O calor e seu efeito letárgico são descritos tão detalhadamente que o próprio leitor se torna suscetível à sua languidez. É durante a calmaria preguiçosa do verão que as duas famílias enfrentarão o sobrenatural, conforme incidentes bizarros se acumulam e desafiam a compreensão, rumo ao confronto final e aterrorizante com os elementais.
O sobrenatural em Elementais serve como metáfora para o autor dissecar tradições familiares, sociais e concepções do ser humano relacionadas às perspectivas sulistas americanas, chamando a atenção para aspectos específicos com relação à morte, decadência, preconceitos e sexualidade. Mesmo assim alguns pontos resistiram mal à passagem do tempo, a exemplo do estereótipo do "negro mágico" representado pela figura da empregada negra, a única que possui uma compreensão aproximada da natureza dos elementais, uma das personagens mais ativas e interessantes do livro, mas cuja construção, aprofundamento e ações dentro da história são severamente limitados pelo estereótipo.
Elementais apresenta ao leitor brasileiro um vislumbre, de uma parte do universo de publicações de terror dos anos oitenta, diferente da qual tivemos acesso ao longo das últimas décadas. Michael McDowell oferece uma narrativa profunda, metafórica e destoante do circuito de concepções e representações hollywoodianas. Os caminhos já traçados e bem conhecidos da temática das casas mal-assombradas, que você espera percorrer quando abre um livro do gênero, é um pouco diferente por aqui, a leitura é mais tortuosa, reflexiva, cheia de desvios e com sombras ao longo das páginas que possuem mais significados do que aparentam.
Exatamente por subverter essa expectativa que este é o tipo de história que não deve agradar a todos os tipos de leitores. Elementais é uma leitura diferente e divertida, que oferece uma peça importante para se entender as aproximações que os autores americanos contemporâneos fazem do tema das casas mal-assombradas.
Elementais (2021) | Ficha Técnica
Título original: The Elementals (1981)
Autor: Michael Mcdowell
Páginas: 320 páginas
Tradutor: Eduardo Alves
Editora: DarksidePáginas: 320 páginas
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