O Grande Livros dos Vampiros é muito mais do que uma gigantesca compilação de histórias de vampiros escritas por autoras de horror e fantasia, é um documento histórico que mostra a diversidade da voz feminina ao explorar o vampirismo, especialmente suas obscuras regiões fronteiriças, utilizando a temática como metáfora para abordar questões sociais, de gênero e os medos que permearam suas épocas. Um compêndio sangrento que reúne 35 contos sobre as mais diversas manifestações do imaginário da figura do vampiro, literais e simbólicas, em uma cuidadosa seleção que combina histórias contemporâneas com clássicos do gênero.
Stephen Jones é reconhecido como um dos maiores editores de antologias temáticas de terror do mundo, responsável por retirar histórias do esquecimento de seus túmulos empoeirados para assombrar a mente e povoar os pesadelos de novas gerações de leitores. É organizador de incontáveis coleções premiadas sobre zumbis, vampiros, lobisomens e monstros diversos. Um dos aspectos diferenciais de sua seleção é a de não se ater aos lugares comuns que permeiam antologias similares, que oferecem constantemente as mesmas histórias conhecidas. Stephen Jones sempre busca histórias que exploram todos os aspectos imagináveis do gênero ou tema que se propõe a dissecar e como resultado oferece uma leitura exótica e emocionante.
O Grande Livros dos Vampiros é ainda mais especial para o leitor brasileiro por proporcionar um primeiro contato com diversas autoras internacionais que são pilares do gênero, e são desconhecidas do público nacional, como é o exemplo de Poppy Z. Brite, Tanith Lee, Chelsea Quinn Yarbro e dezenas de outros nomes que jamais foram publicadas por aqui. As histórias possuem abordagens extremamente diversas e exploram desde a imagem do vampiro clássico, imortalizada por Bram Stoker, até visões alternativas e metafóricas do vampirismo moderno. O erotismo é um elemento presente na maioria delas, sendo muitas vezes o fio condutor da narrativa, seja de uma forma leve e romântica ou de um modo agressivo e invasivo.
Algumas histórias foram escritas especialmente para essa antologia, mas a maioria são incursões importantes de autoras dos séculos XIX e XX publicadas originalmente em outros contextos. Isso faz com que durante a leitura da antologia ocorram vários momentos do que eu chamo de "efeito Salem´s Lot". Quando Stephen King publicou pela primeira vez sua clássica história sobre vampiros, ninguém sabia que era uma história sobre vampiros, a capa e a sinopse não entregavam nada da trama. Um aspecto importante da experiência original de leitura era descobrir no decorrer da obra que toda a perturbação sofrida pelos protagonistas da cidade era ocasionada por vampiros. O leitor contemporâneo não tem esse prazer (aliás, o próprio leitor brasileiro não teve esse prazer, pois o livro foi publicado por aqui como A Hora do Vampiro nas primeiras edições) já que a história é tão conhecida que é impossível iniciar a leitura sem saber do que se trata. Isso afeta a construção do mistério na narrativa, pois a identidade das criaturas é revelada apenas quando a trama está muito avançada.
Este é o caso de vários contos desta antologia, histórias cuja grande reviravolta é a revelação final ou a descoberta de que aquela figura estranha que persegue, seduz, ataca, corteja ou se esconde da protagonista é um vampiro. Esse paradoxo, em que o leitor já sabe que está lendo uma história de vampiros muito antes da trama se revelar, diminui o impacto e a força de algumas narrativas. Não é algo que atrapalhe a leitura em si, mas que talvez pode interferir na experiência de um leitor iniciante no gênero ou que não está acostumado à temática, principalmente pensando que muitos dos contos abordam o tema de forma metafórica. Este leitor provavelmente irá iniciar a leitura esperando uma coisa e acabará se decepcionando, pois o vampiro pode ficar nas sombras a história inteira e aparecer apenas na linha final ou ainda pode se manifestar apenas na forma uma sugestão ambígua.
Tendo em mente esse paradoxo e o contexto original que a história foi publicada, oferecido por Stephen Jones no início de cada conto, a experiência de leitura adquire contornos mais sólidos. O livro começa com uma introdução de Ingrid Pitt, falando sobre seu trabalho na Hammer Films e seus papéis como Carmilla e a Condessa Erzsebet Bathory. Enquanto a seleção de histórias se inicia com o único conto de vampiros de Anne Rice, o ótimo O Mestre do Portal de Rampling, uma exploração gótica do vampirismo, com toques de história de casa mal-assombrada, que fala sobre a descoberta da sexualidade e emancipação feminina. Cada um dos trinta e cinco contos possui particularidades e nuances que os fazem se destacar entre a produção do gênero, como é o caso de A Vênus Surgindo das Águas de Tanith Lee que explora como a memória de uma criatura sanguinária pode ser transmitida através de uma representação imagética e infectar a mente de sua vítima ou Almoço no Charon´s de Melanie Tem em que a estratégia do vampiro para manter sua aparência jovial é sugar a força vital de conhecidos.
Esses aspectos fazem de O Grande Livros dos Vampiros uma leitura imperdível e um dos grandes lançamentos do gênero deste ano, não apenas por oferecer acesso a textos de autoras inéditas no Brasil, mas também por suas abordagens refrescantes e inusitadas para um tema secular. Se você busca histórias de vampiros diferentes do habitual, mas que conservem seu aspecto assustador, esta antologia é a escolha perfeita. Uma leitura para ser degustada aos poucos, cujas histórias permanecem na memória muito tempo após o ponto final, cheia de surpresas e repleta de momentos arrepiantes.
O Grande Livro dos Vampiros (2021) | Ficha Técnica
Título original: The Mammoth Book of Vampire Stories by Women (2001)
Editor: Stephen Jones
Tradutora: Dandara Palankof
Editora: Pipoca & Nanquim
Páginas: 724 páginas
Compre: Amazon
Nota: ☠☠☠☠☠☠☠☠☠☠ (10/10 Caveiras)
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