Quando se termina uma leitura é comum ficar com algumas perguntas em mente sobre o destino de certos personagens e as repercussões de suas ações. Algumas dessas respostas surgem em entrevistas com os autores, enquanto outras ficam em aberto para a imaginação. Em alguns casos são produzidas sequências, mesmo que a obra original fosse única e com enredo fechado, mas se há algo que a história da literatura mostra é que continuações de sucessos literários podem ser bem dramáticas e, especialmente no caso da literatura de terror, podem até destruir legados.
O que dizer de Ira Levin que trinta anos após a publicação do clássico O Bebê de Rosemary decidiu escrever O Filho de Rosemary e fez um dos finais mais fracos, preguiçosos e horríveis de todo o gênero, a ponto das pessoas simplesmente esquecerem a sua existência para não destruir a aura do primeiro livro. Ou ainda a intragável continuação de Drácula de Bram Stoker, escrita por seu sobrinho bisneto Dacre Stoker e Ian Holt, na tentativa de capitalizar a onda vampírica insuflada por Crepúsculo.
A questão é que continuações que não tem nenhuma razão para existir a não ser o dinheiro, uma tentativa de aproveitar o sucesso da obra anterior ou ainda de uma adaptação cinematográfica, acabam sendo experiências ruins. O principal ponto crítico é a falta de um traço interessante à trama, algo que ofereça uma motivação genuína para a história e não a faça parecer desnecessária. É exatamente isso que falta em Malorie, cujas tentativas de estabelecer suspense ecoam cenas idênticas às de Caixa de Pássaros, em uma trama de pouca originalidade que chafurda em coincidências, cenas mal exploradas e que parece mais um roteiro de filme de baixo orçamento do que um suspense.
A estrutura de Malorie replica o clímax de Caixa Pássaros, uma viagem por um mundo devastado marcada pela privação do sentido da visão e a noção de perigo constante, onde a loucura e a violência podem explodir a qualquer momento. O problema está na falta de desenvolvimento da história, principalmente no comodismo do autor em não explorar pequenos detalhes que poderiam adicionar mais emoção à trama, a jornada em si parece bastante superficial, os perigos e motivações de personagens não convencem, reviravoltas e revelações extremamente importantes mal recebem uma página de descrição.
Cenas que poderiam ter sido assustadoras são inverossímeis, personagens secundários surgem do nada para desaparecer em lugar algum ou ter desfechos tão vergonhosos que é inacreditável imaginar que o livro teve seu lançamento adiado em um ano para o autor escrever isso. A narrativa é bastante ágil e rápida, com frases curtas prende a atenção durante a leitura, mas este ritmo deixa muita coisa sem ser explicada.
O livro é obviamente sobre Malorie, a pessoa que era antes do apocalipse e a que se tornou após os conflitos e traumas da nova condição. Se a obra focasse nesse microverso talvez funcionasse melhor, é a tentativa falha de criar um épico de menos de trezentas páginas que dê uma resposta final para o problema das criaturas que torna a experiência da leitura incompleta em relação ao anterior e que poderia ter sido trabalhada melhor.
A experiência de ler Malorie após uma pandemia e a necessidade de isolamento social é mais complexa e forte. Os personagens idiotas que se negam a usar a venda nos olhos ou não acreditam na existência das criaturas, afinal nunca viram uma, se tornam mais verossímeis e facilmente odiáveis. Porém a trama não oferece nenhuma discussão mais aprofundada nesses termos, Josh Malerman evita política, religião e qualquer tópico mais sensível. O mais próximo disso talvez sejam as discussões entre a crença de Malorie baseada em suposições e a disposição científica de Tom para refutá-la, mas nada tão relevante.
Malorie não é um livro ruim, mas também não é exatamente bom. A falta de desenvolvimento em cenas e personagens para torná-los mais significativos e profundos cria a sensação de que a leitura poderia ter sido mais gratificante. E isso muitas vezes é confundido com a decepção do conflito com a alta expectativa, mas não é o caso aqui.
A impressão é de que para se encaixar nos moldes dos thrillers best sellers da atualidade, cujo tamanho gira em torno de torno de trezentas páginas, o livro acabou sofrendo inúmero cortes, principalmente na sua metade final, onde tudo parece apressado e superficial. Se você gostou de Caixa de Pássaros, possivelmente encontrará algum conforto nessas páginas, mas não sairá com aquela sensação de completude.
Malorie (2020) | Ficha Técnica
Título original: Malorie (2020)
Autor: Josh Malerman
Páginas: 288 páginas
Autor: Josh Malerman
Tradutor: Alexandre Raposo
Editora: IntrínsecaPáginas: 288 páginas
Compre: Amazon
Nota: ☠☠☠☠☠☠☠☠☠☠ (4/10 Caveiras)
Nota: ☠☠☠☠☠☠☠☠☠☠ (4/10 Caveiras)
6 Comentários
Apesar de tudo fiquei bem curiosa com a leitura.
ResponderExcluir___________
- Conhece meu cantinho? Te encontro lá, hein?
http://meubaudeestrelas.blogspot.com/
desanimei, o primeiro é tão bom.
ResponderExcluirTô lendo, embora já prévia que fosse assim pq e sempre assim a maioria de sequências não busão boaa
ResponderExcluirLivro HORRÍVEL, e digo isso levando em consideração que acho Caixa de Pássaros um dos MELHORES livros de terror da atualidade. Pra mim, a história de Malorie termina naquela escola para cegos e não no maravilhoso e ilógico mundo de Oz da continuação.
ResponderExcluirNossa, concordo plenamente! O livro se perde após a parte do trem e dali pra frente é ridículo. Muitas coincidências sem explicação, o arco do Gary uma bosta, final preguiçoso e ridículo. Infelizmente, foi uma perda de tempo esse livro.
ResponderExcluirInfelizmente a historia dos óculos espelhado é péssima, porque no livro 1 assistiram uma gravação de video VHS (nem era ao vivo) e morreram por isso. E ai? Como explicar os óculos? Pra mim não fez sentido nenhum...
ResponderExcluir