Mais do que uma simples ficção escapista, a literatura de terror é capaz de promover discussões interessantes sobre como as sociedades enfrentam ameças que acabam por expor a fragilidade de sua organização social e a forma como os indivíduos, sozinhos ou na coletividade, encaram o medo e a histeria advinda dessa percepção de vulnerabilidade.
Epidemias e pragas fazem parte de uma temática amplamente explorada no gênero, desde conspirações diabólicas para controle populacional até uma vingança da própria natureza, surtos de vírus e doenças são fontes de reflexão sobre a sociedade em tempos conturbados, até mesmo pré-apocalípticos. A questão que perpassa essas obras é sempre a mesma: em uma situação extrema o homem se mostra um ser essencialmente bom ou mau?
Em uma época em que a avalanche de notícias, sejam elas reais ou falsas, sobre o coronavírus induz a um inevitável estado de tensão e ansiedade, porque não abraçar esses pesadelos e enfrentar esse medo de forma direta? Na busca por alívio da realidade, livros e filmes que exploram a temática estão voltando a lista dos mais vendidos, as pessoas estão buscando na ficção elementos para controlar o pânico em meio a uma pandemia real.
A ficção não mostra apenas como as pessoas lidam com o medo e a histeria, mas também as explosões de solidariedade e de violência, o descaso de governos e grandes empresas que encontram formas de lucrar com a tragédia. Um dos maiores exploradores desta temática é o mestre do thriller médico Robin Cook, cuja obra explora os limites dos usos da tecnologia e da ética na medicina, que já escreveu sobre vírus que escapam de laboratórios científicos com efeitos catastróficos (Vírus), tramas maquiavélicas de planos de saúde em meio a epidemias (Contágio), ataques biológicos terroristas (Vetor).
Talvez futuramente eu faça uma lista para explorar especificamente a obra de Robin Cook, mas esta tenta fugir do usual para indicar obras menos conhecidas do grande público.
Uma pandemia assolou o mundo e infectou praticamente todas as pessoas do planeta. Aqueles que tiveram a "sorte" de sobreviver se transformaram em vampiros. A obra acompanha Robert Neville, o último sobrevivente que de alguma forma não foi afetado pela doença, que em sua solidão claustrofóbica buscar contrabalancear a esperança e a depressão, enquanto coleta dados em busca de uma possível cura.
Um projeto ultrassecreto é desenvolvido em uma pequena ilha remota e, após quatro anos de pesquisas, o resultado é o Formido inexorabilis, um vírus altamente mortal que se multiplica na água fresca a na corrente sanguínea dos hospedeiros. Seus sintomas de infecção envolvem alucinações, uma fúria incontrolável e o prognóstico de uma morte extremamente dolorosa em poucas horas. Quando o trabalho está quase concluído o impensável acontece, uma falha na segurança libera o novo vírus no meio ambiente com desastrosas consequências.
Mestre das Chamas de Joe Hill
A Escama do Dragão é um vírus que tomou o mundo de assalto em poucos meses, os infectados desenvolvem estranhas marcas pela pele e no estágio avançado entram em combustão espontânea. Ou seja, ao contrário de outras doenças nas quais você pode se isolar no interior de uma floresta na esperança de não ser contaminado, aqui não há como fugir. Ou você é infectado pela doença ou corre o risco de morrer em um dos milhões de pequenos e grandes incêndios que são iniciados por pessoas que pegaram fogo. Cidades inteiras pereceram em meio a um inferno de chamas. As pessoas começam a entrar em pânico, doentes que inicialmente eram empilhados em hospitais, passam a ser caçados e exterminados por patrulhas armadas.
Jack London escreve uma comovente fábula sobre os últimos estertores de uma sociedade dizimada pela peste, através das lembranças de um velho professor revisita o horror dos últimos dias, retratando com emoção todo o medo e desespero que embalaram o caos da destruição, além de mergulhar na selvageria que emergiu por entre os destroços da sociedade. É um livro pequeno, pode ser devorado em poucas horas, mas tão bem escrito, que suas ideias permanecem na mente muito tempo após a leitura. Emocionante, nostálgico e atemporal.
Dança da Morte de Stephen King
A Dança da Morte é a obra de Stephen King, que ao lado de It - A Coisa, divide o primeiro lugar entre as listas de melhores obras do autor. É um grandioso épico sobre sobrevivência que definiu as bases para uma obra de horror sobre pandemia. Um erro em um computador de um laboratório do departamento de defesa americano libera um vírus da gripe modificado e altamente mortal, ceifando a vida de 99,4% da população mundial. Os escassos sobreviventes lutam para continuar a viver, começando a se reunir em dois pólos diferentes. Um conflito mortal é inevitável.
A Peste Negra explora os efeitos de uma epidemia de peste bubônica na New York da década de setenta. A primeira parte ilustra todos os caminhos e vícios que propiciam uma infecção mortal se espalhar no ambiente urbano com grande rapidez, ao mesmo tempo que mostra os esforços dos protagonistas médicos para conter a doença e descobrir sua origem. Enquanto a segunda mergulha no pandemônio de uma cidade devastada por milhares de mortes e enclausurada pelo resto do país em quarentena, onde a falha dos serviços básicos providos pelo governo cria uma nova organização social, baseada em violência e anarquia.
Só A Terra Permanece de George R. Stewart
O fim de todos não está em uma explosão; O mundo não acaba com um suspiro, mas sim com um espirro, um vírus altamente letal atacou os quatro cantos do planeta simultaneamente, sem proteção ou perspectivas de cura, o homem sucumbiu. Bilhões morreram. Apenas 1% da humanidade sobreviveu, herdeiros de um mundo morto e de uma sociedade em ruínas. George Stewart escreve com parcimônia e propriedade sobre os efeitos que a destruição da humanidade acarretaria ao planeta, não apenas com relação à fauna, que se recuperaria dos anos de destruição, mas também com relação aos animais, a falta do homem no topo da cadeia alimentar teria grandes efeitos na natureza.
Os Meninos não oferece uma explicação explícita sobre a origem da sua premissa, porém a disseminação viral da violência o qualifica para esta lista. Um casal buscando reencontrar a paz dos primeiros dias de matrimônio, faz uma viagem para o paraíso idílico das memórias de infância do marido, a ilha de Tha. Porém o que encontram ao chegar lá é uma visão desoladora, as casas parecem ter sido abandonadas às pressas pelos moradores e os únicos sons de vida que ecoam pelo vilarejo abandonado, são risadas ao longe de crianças. O que se segue é uma inexorável caminhada rumo a carnificina em uma conclusão que tem uma das cenas mais chocantes da literatura de terror envolvendo o parto de uma criança.
E se o vírus não atacasse o homem, mas a base da sua alimentação? Em Chung-Li: A Agonia do Verde testemunhamos um vírus altamente destrutivo ataca a família das gramíneas, basicamente formada por todos os grãos essenciais a alimentação humana, como o arroz, trigo, milho e aveia. A primeira aparição do vírus ocorre na China, daí sua denominação Chung-Li, o mundo assiste impotente à destruição dos campos milenares de arroz do país e a consequente onda de fome que assola a população. O caos que se segue é inenarrável, regiões inteiras perdem suas coberturas verdes, os animais que não morrem de fome são caçados por seres humanos famintos e a histeria toma conta da população. O canibalismo é o passo seguinte. A sociedade regride a uma violenta existência tribal. A estimativa inicial é de milhões de mortes.
1 Comentários
Ótima lista!Tomo a liberdade de acrescentar A Peste, de Albert Camus
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