No Limite da Realidade é a novelização do ambicioso projeto que tentava levar a série The Twilight Zone (Além da Imaginação) de Rod Serling para os cinemas, e cujo resultado, infelizmente, é considerado um dos capítulos mais lamentáveis e sombrios da história de Hollywood. Especialmente por conta do acidente de helicóptero no set de filmagens que matou o ator Vic Morrow e duas crianças pequenas. O desastre lançou uma sombra sobre toda a produção e o filme só foi terminado por conta da pressão da Warner Brothers, em meio a roteiros reescritos e uma direção desanimada e sem inspiração.
A adaptação cinematográfica da série era encabeçada por Steven Spielberg, que logo tratou de convidar John Landis para coproduzir o filme com ele. O longa-metragem seguiria o formato antológico, dividido em quatro partes de meia hora cada, sendo um desses segmentos uma história original e os outros três adaptações de episódios da série original. Joe Dante e George Miller completaram o time de diretores e não demorou para que essa improvável reunião de grandes nomes do gênero na época atraísse a atenção dos fãs, ansiosos por finalmente testemunhar o renascimento The Twilight Zone.
O projeto era tão gigantesco que Robert Bloch foi contratado para transformar o roteiro em livro. Essa era uma prática extremamente rara, nos anos oitenta o autor de Psicose já era um nome estabelecido e detentor de diversos prêmios pelo conjunto de sua obra (o que significava que ele também era caro). Geralmente as novelizações de filmes são atribuídas a escritores desconhecidos ou iniciantes, que apareciam como coautores juntamente com o roteirista do filme (e custavam barato). Não dá para afirmar como ou se o acidente impactou na escrita do livro, mas o fato é que a novelização é diferente do filme final em diversos pontos.
Robert Bloch trabalhou com o roteiro original, que possivelmente lhe foi entregue antes dos eventos catastróficos que alteraram completamente a produção, de forma que é possível ler o final original para o segmento que nunca foi terminado. O prólogo do filme também não está presente no livro, bem como as narrações de início e fim de cada segmento. A edição da Record suprimiu totalmente as fotos do filme que eram um encarte especial da edição original. Uma curiosidade é que o texto da orelha e a capa fazem menção ao romance "Psicose II", obra que talvez estivesse nos planos de publicação da editora e que jamais foi lançada, mas é bem provável que seja apenas uma jogada de marketing, já que a publicação aconteceu no mesmo ano em que a continuação do clássico de Alfred Hitchcock chegou aos cinemas.
No Limite da Realidade apresenta quatro histórias, cada uma recebendo como título o nome de seu protagonista, sendo que a ordem como aparecem no livro é diferente da observada no filme. A edição da Record ao atribuir autoria levou em consideração a organização dos segmentos do filme, de forma que os autores identificados no livro estão em ordem errada. "Bill" é a única história original, escrita por John Landis, e é aquela que foi impactada pelo acidente durante as filmagens. Na história de Bill Conner é um americano preconceituoso e racista que encontra seu destino na zona crepuscular ao reviver na pele os horrores que aqueles que mais odeia sofreram. "Valentine" foi dirigido por George Miller e é baseado no conto "Pesadelo à 20.000 pés" de Richard Matheson (que foi responsável não apenas pelo roteiro da adaptação de sua própria história como também pelo roteiro dos outros dois segmentos).
Então "Valentine" basicamente é uma adaptação de Robert Bloch da adaptação de Richard Matheson do próprio conto. A versão original foi publicada no Brasil na coletânea "O Incrível Homem que Encolheu e outras histórias". "Helen" foi dirigido por Joe Dante e é uma adaptação do conto "Uma vida boa" de Jerome Bixby. A história é sobre um menino que possui a capacidade de alterar a realidade e faz sua família refém de seus caprichos, sendo extremamente cruel com aqueles que o desagradam.
O roteiro de Matheson é interessante, mas empalidece em comparação com a genialidade do original. No Brasil a história de Jerome Bixby foi publicada na antologia "Alfred Hitchcock Apresenta: Histórias Para Noites Sem Luar". Por fim "Bloom", dirigido por Steven Spielberg e baseado em “Kick the Can” de George Clayton Johnson, é uma história sobre amadurecimento, mas ao contrário, uma fábula sobre reencontrar sua criança interior. O episódio original da série no qual este segmento foi baseado é mais efetivo ao contar a história.
No Limite da Realidade é o tipo de leitura nostálgica que vai agradar mais ao fã de The Twilight Zone do que o leitor comum, em grande parte por readaptar episódios da série original. É uma leitura rápida e descompromissada, se você tem a oportunidade de ir direto ao original é o caminho mais indicado, já que essa não é a escrita mais inspirada de Robert Bloch. Mas é difícil colocar a culpa na escrita de Bloch ou nos roteiros de Richard Matheson, já que o contexto do acidente deixou cicatrizes em toda a produção, a sensação é de que o livro parece não alcançar todo o potencial do material que é adaptado. Mesmo assim há um certo charme na leitura, especialmente se você, assim como eu, assistiu a esse filme na infância.
No Limite da Realidade (1983) | Ficha Técnica
Título original: Twilight Zone: The Movie (1983)
Autor: Robert Bloch
Páginas: 163 páginas
Tradutora: Rosane Maria Pinho
Editora: RecordPáginas: 163 páginas
*Geralmente não escrevo sobre o processo de compor uma resenha, mas este é um daqueles casos cuja escrita se arrasta por meses. A leitura não se restringe apenas ao livro (ou a assistir ao filme de que foi adaptado), mas também a inúmeras matérias e entrevistas sobre o contexto da produção, além de buscar se o material original foi publicado no Brasil e correr atrás de sua leitura. Depois vem o desafio de sintetizar tudo o que você leu e transformar as dezenas de anotações em um texto legível. Essa vontade de entregar a vocês, leitores, o maior número de informações sobre o livro e a experiência de leitura é que faz com que as resenhas às vezes demorem. Há literalmente dezenas de resenhas que estão nesse processo de construção. Contudo, toda essa pesquisa e reflexão é algo que amo fazer e motivo pelo qual a Biblioteca do Terror caminha para seu décimo ano de existência com mais força do que nunca.
4 Comentários
Eu achei esse livro no sebo um dia desses. Com essa resenha vou ler com mais vontade. Ah! Eu assisti ao filme. Gostei!! Show!!
ResponderExcluirIrei dar uma conferida primeiramente no filme. Dependendo da empolgação já leio em seguida.
ResponderExcluirGostei do filme, que assisti nos anos 80, mas nunca me interessei pelo livro, sempre me pareceu um Robert Bloch mais "comercial". Agora, fiquei curioso sobre esse "Alfred Hitchcock apresenta: Histórias para noites sem luar", parece ser interessante...
ResponderExcluirObrigada pela resenha.
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