Histórias Assustadoras para Contar no Escuro apresenta uma seleção de narrativas folclóricas americanas adaptadas e recontadas por Alvin Schwartz para o público infantil, que resgata a tradição popular da narração de histórias em voz alta, bem como a experiência de escutar histórias de terror em grupo, por conseguinte a experiência compartilhada do medo, e que é tão controverso quanto popular em seu país de origem. É o primeiro da série Scary Stories, publicada nos Estados Unidos entre as décadas de oitenta e noventa, composta por Scary Stories to Tell in the Dark, Histórias Assustadoras para Contar no Escuro publicado no Brasil em 2016 pela José Olympio, More Scary Stories to Tell in the Dark e More Tales to Chill Your Bones. O livro passou despercebido pelos leitores brasileiros na época do seu lançamento, mas ganhou nova atenção devido à vindoura adaptação para os cinemas produzida por Guillermo del Toro, porém antes de falar sobre seu conteúdo é necessário entender a complexidade e profundidade de significados que a série de livros como um todo possui no imaginário norte-americano.
A American Library Association (Associação Americana de Bibliotecas) possui uma repartição especial, voltada para assuntos de censura na literatura, cujo propósito é informar o público sobre a importância da liberdade intelectual e dar apoio a todos os bibliotecários que se deparam com uma situação em que livros de seu acervo são desafiados e em último caso, banidos. Nos Estados Unidos existem duas instâncias de apelação em bibliotecas: livros desafiados e livros banidos. Um livro é desafiado quando uma pessoa ou um grupo documenta um requerimento formal para que determinada obra seja retirada de uma biblioteca ou lista de leitura escolar obrigatória, a partir de uma grande gama de alegações. A Associação compila a cada dez anos uma lista com as obras mais desafiadas nas bibliotecas naquele período, e na década de noventa a série Scary Stories ocupou o primeiro lugar e vem sendo desde então frequentemente citada nas listas.
Os motivos mais mencionados como "evidência" ao banimento da série Scary Stories das bibliotecas, principalmente das escolares, são por ser "muito assustadora e violenta", "mórbida demais para crianças", "canibalismo", "mostrar o lado sombrio da religião através do ocultismo e do satanismo" e é claro por causar pesadelos às crianças. É bom ressaltar que é muito difícil um livro ser banido, mas o seu "desafio" nas bibliotecas levanta questões importantes com relação a adequação de faixa etária e restrição de acesso. É fato que Schwartz se apropria da versão mais macabra do folclore popular para discutir questões sobre mortalidade com o público infantil. Suas histórias são perturbadoramente detalhadas nas descrições de cadáveres, monstros e na própria dessacralização do corpo, por meio de cenas vívidas de desmembramentos e vermes chafurdando na podridão de órgãos humanos e até mesmo no interior de pessoas vivas.
Para um leitor adulto os contos talvez não sejam tão chocantes, mas para uma criança o choque com relação a percepção da morte, da própria mortalidade, é um evento marcante. E a construção das narrativas é feita exatamente para evidenciar este ponto. Ao contrário do que os pais imaginavam, toda essa "revolta" com o conteúdo de Scary Stories serviu apenas para popularizar ainda mais a série entre o público jovem, que devorava as páginas repletas de ilustrações assustadoras em segredo, o status de livro proibido aumentou sua procura e criou em toda uma geração uma relação pessoal de amor e ódio com as histórias. Há dezenas de relatos de leitores sobre suas experiências com os livros na infância e releituras na vida adulta que insuflaram um sentimento nascido entre a mistura de medo infantil com nostalgia. A relação entre leitor e obra é muito mais forte entre os americanos, do que provavelmente será entre o leitor brasileiro atual e a publicação de 2016, talvez a única experiência nacional similar de leitura na infância, compartilhada por um grande número de pessoas, seja a coleção Vagalume.
Histórias Assustadoras para Contar no Escuro é uma das obras mais controversas da literatura infantil moderna e teve um impacto profundo na geração que a cresceu lendo e é adulta nos dias atuais. O livro é dividido tem cinco partes que abordam diferentes tipos de construções textuais e temáticas. A primeira é focada em histórias para serem narradas em voz alta, cujo plot twist tem a finalidade de fazer os ouvintes pularem de susto e depende em grande parte da habilidade do narrador em controlar sua voz. A segunda parte apresenta histórias de fantasmas e suas diversas variações, explorando as percepções mais populares acerca do pós-morte. A terceira parte é um misto de narrativas sobrenaturais cujo foco é em horrores que acometem as pessoas e o corpo humano, seja através da putrefação e ação dos vermes em vida até ação de monstros assustadores, baseadas no folclore americano. A quarta parte é similar a anterior com a diferença de que seus contos abordam temas modernos, como ameaças tecnológicas e ansiedades sociais. A última parte tem a mesma estrutura narrativa da primeira, mas sua finalidade ao invés de assustar é fazer rir, são histórias curtas de humor macabro.
Alvin Schwartz compartilha no final do livro uma detalhada seção de notas com informações sobre as narrativas de origem por trás dos contos mais famosos, modificações populares e geográficas que determinadas lendas sofreram com o passar dos anos, além das referências bibliográficas. Histórias Assustadoras para Contar no Escuro é uma leitura interessante e embora não assuste o público adulto, consegue arrancar alguns arrepios de repugnância em seus melhores momentos. Também há uma certa nostalgia na leitura, a cultura pop de gênero, desde desenhos animados até filmes e livros, também bebeu muito desta fonte folclórica de modo que há vários contos cuja premissa é reconhecível. Na idade e no momento certos este livro pode se tornar uma leitura inesquecível.
Histórias Assustadoras para Contar no Escuro (2016) | Ficha Técnica
Título original: Scary Stories to Tell in the Dark (1981)
Autor: Alvin Schwartz
Tradutora: Cristiane Pacanowski
Editora: José Olympio
Páginas: 128 páginas
Compre: Amazon
Nota: ☠☠☠☠☠☠☠☠☠☠ (9/10 Caveiras)
3 Comentários
Adorei o post. Realmente esse livro passou batido, lembro da capa dele mas acho que nunca vi vendendo...agora vou procurar
ResponderExcluirÓtima resenha. Parabéns! Fiquei mais curioso ainda para ler o livro que já estava em minha lista.
ResponderExcluirParece que há edições 2 e 3 deste livro nos Estados Unidos , será que elas virão a ser lançadas aqui no Brasil também ? Seria muito bom.
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