Histórias sobre a violência urbana e a brutalidade da guerra entre a polícia e os criminosos no Rio de Janeiro proliferam na mídia, títulos e manchetes sensacionalistas anunciam atrocidades diárias e espalham medo na população, inserindo no imaginário coletivo uma noção de um constante estado de perigo. A banalização da violência e da morte é reforçada por uma sociedade onde notícias sobre o cotidiano das celebridades ganham mais visibilidade que as da morte de um jovem em uma favela.
Como reflexo desse cenário surge uma mentalidade social estereotipada, que demoniza aqueles que vivem na periferia, associados ao estigma da criminalização, e deifica aqueles que invadem esses espaços, supostamente em busca de pacificação. Porém a realidade é mais cinzenta que essa simplificação dualista e é esse universo de múltiplas camadas, onde as concepções de herói e vilão não encaixam com perfeição, que Vitor Abdala disseca em Caveiras, um suspense policial que se utiliza de uma metáfora sobrenatural para discutir a violência da sociedade brasileira.
A história é narrada por um repórter policial, em um relato escrito em primeira pessoa dirigido ao seu editor, que descreve detalhes sobre a sua problemática jornada envolvendo a investigação do assassinato de um jovem, morto com um tiro na cabeça dentro de sua própria casa por cinco homens fardados de preto. A "fatalidade" aconteceu após uma operação da tropa de elite da polícia o BOPE, os "caveiras", em uma favela carioca.
A versão dos fatos divulgada por eles é diferente daquela que o repórter ouve da mãe do menino aos prantos e essa sensação de estranheza é amplificada conforme percebe tentativas de ocultar o ocorrido. Seu instinto investigativo sente que há algum segredo por trás daquele mistério e ao começar a cutucar a ferida da corporação descobrirá algo bem mais sombrio por trás da podridão e corrupção policial.
Vitor Abdala acerta ao fazer uma representação moderna do espaço urbano como um lugar de medo, a cidade sendo retratada como um um ambiente desconhecido e de perigo imprevisto, a luxúria advinda da noção de segurança social se liquefaz a partir da consciência de estar inserido em uma sociedade onde aqueles que teoricamente deveriam oferecer proteção, são na realidade a origem do horror. O medo não está associado ao toque sobrenatural da trama, ao contrário, a utilização de uma explicação demoníaca para a brutalidade policial serve para diluir o horror da realidade, onde essas ações provém de fontes puramente humanas.
Caveiras possui uma narrativa ágil e repleta de tensão, o suspense é construído de maneira sólida ao longo das páginas, a voz narrativa em primeira pessoa suscita uma conexão empática e imprime um ritmo acelerado durante a leitura, ecoando toda a aflição e nervosismo dos personagens conforme a evolução dos acontecimentos se torna mais crítica. Embora em alguns momentos as reações do protagonista soem exageradas e artificiais, a escrita consegue imprimir aquela sensação claustrofóbica de horror durante as cenas em que o suspense abraça o sobrenatural, que possui sua fundamentação e explicação bem contextualizados à trama.
Para além das críticas sociais permeadas em seu texto, Caveiras é um ótimo suspense policial que conquista o leitor por trazer elementos facilmente identificáveis com o seu cotidiano e um mistério que instiga a curiosidade desde as primeiras páginas. O elemento sobrenatural se encaixa a contento à trama, coroada por um final violento e surpreendente, que cumpre seu papel com perfeição ao obrigar o leitor a fazer uma reflexão sobre os discursos em voga sobre a segurança pública no Brasil. O diálogo da cena final é rico em simbologia, os personagens representam uma parcela significativa da população brasileira e suas escolhas dizem muito sobre nossa sociedade. Um livro interessante que deixa um gosto ácido e amargo após a leitura.
Caveiras (2018) | Ficha Técnica
Autor: Vitor Abdala
Editora: Generale
Páginas: 190 páginas
Compre: Amazon
Nota: ☠☠☠☠☠☠☠☠☠☠ (10/10 Caveiras)
Nota: ☠☠☠☠☠☠☠☠☠☠ (10/10 Caveiras)
2 Comentários
Obrigado pela resenha! Espero que seus leitores curtam!
ResponderExcluirSeu blog tem sido uma fonte constante de resenhas de livros de terror, porém é a primeira vez que comento. A premissa do livro é muito boa e fiquei bastante curioso para lê-lo.
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