O Conto Fantástico, publicado em 1959 pela editora Civilização Brasileira na coleção Panorama do Conto Brasileiro, foi a primeira antologia fantástica brasileira a reunir exclusivamente trabalhos de autores nacionais. Organizada por Jerônimo (Jeronymo) Monteiro, conhecido como o pai da ficção cientifica brasileira, é uma obra que reflete com perfeição as características das primeiras histórias fantásticas produzidas no Brasil, seu valor histórico é inquestionável, porém sua existência jaz esquecida pelos leitores atuais. Um dos motivos para esse esquecimento é apontado pelo próprio organizador em seu prefácio quando discute sobre a dificuldade em reunir contos e a escassez do gênero na literatura nacional:
"Diante das dificuldades encontradas, porém, verificamos que o que se lê em nossa terra, desse gênero, é literatura traduzida, especialmente do inglês. Os ingleses é que se pelam por casas mal-assombradas e os autores fornecem, por meio da literatura, o que não se encontra com frequência na realidade. Entre nós parece que se dá o contrário: há muitas lendas, superstições e assombrações por esse sertão, e há pouco quem se aproveite do tema para escrever. "
A impressão que se tem ao ler as histórias é de que a explicação sobrenatural era vista na época como uma solução vulgar, por mais que os escritores explorassem visões e assombrações, ao final a maioria utilizava o recurso do "sonho" ou "alucinação" para explicar a trama. Há também um grande contraste entre a personificação do homem do campo e da cidade, o primeiro muitas vezes é retratado como simplório e ignorante, tendo suas crenças desmistificadas pelo protagonista esclarecido dos centros urbanos.
A antítese dessa visão é explicitada na voz dos autores regionalistas, muitos deles esquecidos atualmente, que mergulham fundo nas lendas do interior e dão voz ao personagem sertanejo, e em seu dialeto próprio discorrem sobre os fantasmas e criaturas que vicejam na escuridão do campo e do sertão. Esse é o caso de Assombramento, história que abre a antologia, do escritor mineiro Afonso Arinos. Uma tropa de boiadeiros está a procura de um bom local para montar acampamento e passar a noite, logo eles alcançam as ruínas de um casarão mal assombrado e apesar dos protestos da maioria seu líder decide passar a noite no local. Assombramento é uma história clássica de casa assombrada em cujos gritos de almas penadas e manifestações espectrais está a essência do sertanejo mineiro. (10/10 ☠)
A antítese dessa visão é explicitada na voz dos autores regionalistas, muitos deles esquecidos atualmente, que mergulham fundo nas lendas do interior e dão voz ao personagem sertanejo, e em seu dialeto próprio discorrem sobre os fantasmas e criaturas que vicejam na escuridão do campo e do sertão. Esse é o caso de Assombramento, história que abre a antologia, do escritor mineiro Afonso Arinos. Uma tropa de boiadeiros está a procura de um bom local para montar acampamento e passar a noite, logo eles alcançam as ruínas de um casarão mal assombrado e apesar dos protestos da maioria seu líder decide passar a noite no local. Assombramento é uma história clássica de casa assombrada em cujos gritos de almas penadas e manifestações espectrais está a essência do sertanejo mineiro. (10/10 ☠)
Delírio, do paulista Afonso Schmidt, explora as fronteiras da morte e do além. Na ala terminal de um hospital três pacientes com tuberculose se encontram agarrados ao último resquício de vida, que escorre lentamente de seus corpos fragilizados. Um diálogo que começa entre expirações de pulmões apodrecidos termina no outro lado da vida... A história de Delírio apresenta vários aspectos do espiritismo, Schmidt discute crenças e valores sociais ao mesmo tempo que se imiscui por observações acerca do pós-vida. (7/10 ☠)
Do clássico Noite na Taverna do paulista Álvares de Azevedo foi escolhido Solfieri, uma história de amor não convencional onde o protagonista encontra a mulher de seus sonhos em um caixão entreaberto em um cemitério. É um conto rápido, cujas linhas vertem loucura e delírio, e que consegue, mesmo após décadas de sua publicação original, surpreender nos dias de hoje. (9/10 ☠)
O Impenitente de Aluísio de Azevedo traz uma clássica história de fantasmas protagonizada por um frade. Beirando a loucura por não conseguir refrear seus desejos carnais, o religioso está mais uma vez imerso em pensamentos impuros com sua "amada", quando é surpreendido pela visão da mesma através da janela de sua cela solitária. É nítida a crítica moral presente no texto, Aluísio de Azevedo não economiza em suas opiniões sobre o celibato, apesar de sua trama ser facilmente adivinhada pelo leitor nos dias de hoje, ainda é um texto forte por seu tema. (7/10 ☠)
O Telegrama de Artaxerxes do mineiro Aníbal Machado é o conto mais longo da antologia, o curioso é que uma versão cinematográfica foi anunciada por várias produtoras na década de cinquenta, com o nome de Procópio Ferreira sendo cotado para viver o protagonista, mas a história nunca chegou a ser filmada. O conto tem aura cinematográfica que beira a distopia, o cerne da narrativa está no choque cultural do homem do campo com a organização social da cidade grande, em outras palavras, a perda da inocência perante a corrupção e falsidade. O protagonista é um homem simples do interior que acredita que o presidente do país é o seu amigo de infância, em sua obsessão por encontrá-lo e mudar de vida, vende todas suas posses e parte com sua família para o Rio de Janeiro.
Chegando lá se instalam em uma pensão simples enquanto ele decide o que irá escrever no telegrama que enviará ao presidente, no início é tratado com desdém por todos, mas assim que as pessoas descobrem que ele supostamente conhece o presidente, a ganância de todos cresce e começam a tratá-lo de forma diferente. Aníbal Machado cria uma parábola social que assusta por ainda ser tão pertinente nos dias hoje, em que subcelebridades povoam as redes sociais na internet, acima de tudo é uma história triste que carrega uma grande lição de moral em suas páginas. (8/10 ☠)
Machado de Assis aparece na antologia com o macabro Um Esqueleto, publicado pela primeira vez em 1875 no Jornal das Famílias, um exemplo de que mesmo nessa época havia público para este tipo de narrativa. A história narra as excentricidades do Dr. Belém, um cientista que conserva em seu gabinete o esqueleto de sua primeira esposa, o narrador curioso e horrorizado com o fato sugere um novo casamento, imaginando que com uma nova esposa suas obsessões mórbidas se dissipariam... Machado de Assis produziu alguns contos sombrios durante sua carreira, a exemplo de outros títulos como Sem Olhos e A Causa Secreta, mas que são pouco conhecidos pelos leitores nos dias de hoje e que deveriam ser leitura obrigatória para todo fã de literatura fantástica. (8/10 ☠)
Os Donos da Caveira do gaúcho Ernâni Fornári é uma deliciosa história gótica de assombração. Um grupo de jovens fica fascinado por uma caveira humana encontrada nos escombros de uma igreja demolida, logo a transformam em companheira das noites de boemia regadas a poesias fúnebres e histórias tétricas. Mas o que era brincadeira passa ser fonte de horror quando a casa daquele que a abriga começa a ser palco de acontecimentos sobrenaturais nas madrugadas solitárias. (10/10 ☠)
Sertório de Galdino Fernandes Pinheiro narra a história de dois acadêmicos que decidem percorrer a região cafeeira do interior do estado de São Paulo, uma noite durante um jantar em uma fazenda ambos ouvem a famosa lenda local de Sertório, um sertanejo que partiu para o interior em busca do mito do El Dorado, a cidade perdida. A narrativa de Galdino resgata um Brasil desconhecido, cujas terras e segredos do interior ainda alimentavam a imaginação popular, num momento em que a urbanização do país estava começando a ganhar força, existiam muitos lugares que não haviam sido desbravados e "homem urbano" conjecturava que segredos se escondiam dentro daquelas matas. (8/10 ☠)
Gastão Cruls escreve uma história de fantasmas em Noturno nº 13 onde sua aparição se manifesta através da música do título, é um conto romântico e sentimentalista, que por conta de toda a exploração da cultura pop sobre o gênero não envelheceu bem. (5/10 ☠)
Gonzaga Duque explora as curiosas experiências científicas do séc. XIX em Confirmação. Na história uma materialização espiritual dá terrivelmente errado para todos os presentes. É um conto pequeno e rápido, com uma escrita hermética que não desperdiça palavras Gonzaga Duque consegue surpreender positivamente o leitor em uma trama macabra com um final chocante. (10/10 ☠)
Paulo é a macabra e agoniante contribuição de Graciliano Ramos à antologia, narrado em primeira pessoa o conto disseca em detalhes a percepção de um doente acerca do apodrecimento de seu próprio corpo. A narrativa adquire tons oníricos de delírio e horror ao desafiar o leitor a descobrir os segredos da mente do protagonista. Será apenas uma ilusão de uma doentia derivada da loucura ou a própria sensação da carne definhando aos poucos é a causa da perda da sanidade? Um ótimo conto, suspense psicológico em sua melhor forma! (10/10 ☠)
O Duplo de Coelho Neto é uma história curta que basicamente trata de experiência extracorpórea. O protagonista vê a si mesmo sentado em um banco no bonde e o que se segue é um diálogo com um terceiro na tentativa de desvendar o acontecido. O tema é interessante, mas a narrativa é monótona e sem emoção. (4/10 ☠)
Os Olhos que Comiam Carne de Humberto de Campos é um clássico do fantástico nacional. O protagonista após ficar cego aceita submeter-se a uma cirurgia experimental realizada por um famoso oftalmologista, reconhecido por seus procedimentos que curam a cegueira. Mas o que o nosso protagonista não imaginava é que o "efeito colateral" dessa operação o levaria a loucura! É uma história bem escrita, ágil e divertida. (10/10 ☠)
O Baile do Judeu do paraense Inglês de Souza é a primeira história da antologia a explorar uma figura do folclore popular: a lenda do boto. É um conto curto em que o sobrenatural está implícito em meio a intrincada narrativa, se o leitor não tiver conhecimento da crendice popular talvez nem consiga captar a sútil sugestão plantada pelo autor. (7/10 ☠)
O Baile do Judeu do paraense Inglês de Souza é a primeira história da antologia a explorar uma figura do folclore popular: a lenda do boto. É um conto curto em que o sobrenatural está implícito em meio a intrincada narrativa, se o leitor não tiver conhecimento da crendice popular talvez nem consiga captar a sútil sugestão plantada pelo autor. (7/10 ☠)
A contribuição do maranhense Josué Montello é O Sino da Soledade onde narra a passagem de um político pelo interior do estado em busca de votos, em um ponto ermo da viagem o pneu do carro fura e seu motorista é obrigado a viajar a pé em busca de ajuda no vilarejo mais próximo. O político fica sozinho no carro e enquanto espera ouve estranhos sons vindos de uma antiga igreja abandonada. Este é um dos casos em que o autor cria uma expectativa ao redor do sobrenatural, mas o abandona completamente no clímax para construir uma solução mais lógica e inverosímel nesse contexto, com isso cai diretamente nas teias do clichê e faz com que uma história de início empolgante tenha um final decepcionante. (4/10 ☠)
Sua Excelência de Lima Barreto é um conto extremamente curto e efetivo no que propõe ao leitor. Na trama um ministro entra em uma carruagem após um baile, sem verificar direito se aquela era mesmo a sua condução, imerso em seus próprios pensamentos ele começa a ficar assustado quando a velocidade do veículo aumenta tanto que não é possível distinguir paisagem alguma pelas janelas, que passam a emitir um calor sobrenatural. Seu final é surpreendente e deixa espaço para inúmeras interpretações. O conto de Lima Barreto é um exemplo perfeito do potencial de uma narrativa do gênero que não se utiliza abertamente do sobrenatural, o horror está na sugestão e as inúmeras interpretações que a conclusão suscita evidenciam a qualidade de seu autor. (10/10 ☠)
Maria Bambá do mineiro Luiz Canabrava explora os regionalismos em uma narrativa que revive as assombrações de cidades pequenas, é uma história de fantasmas genuinamente brasileira. Provavelmente sua cidade tem a sua própria versão da Maria Bambá que caminha pelas ruas à noite. (9/10 ☠)
O Soldado Jacob de Medeiros de Albuquerque, uma das mentes por trás do Hino da Proclamação da República, traz a macabra história de um soldado que perdeu sua sanidade e humanidade no período em que ficou soterrado em meio a uma trincheira francesa. É um conto bem angustiante e que envelheceu bem considerando a época em que foi escrito. (9/10 ☠)
A Gargalhada de Orígenes Lessa é um dos meus contos favoritos de toda a literatura brasileira. Imagine um apocalipse onde tudo começa com uma gargalhada, logo o riso se espalha e todos estão rindo da situação, porém a situação muda quando as pessoas percebem que essa gargalhada estranha é ouvida ao redor do mundo inteiro. E o que era fonte de alegria, logo se transforma em uma fonte de horror. (10/10 ☠)
O Lobisomem do cearense Raymundo Magalhães traz uma abordagem interessante do mito do homem que se transforma em fera em noites de lua cheia. O regionalismo e misticismo pautam o texto, o autor utiliza o sobrenatural para discutir aspectos sociais do período, bem como a forma como as crenças populares estão sendo moldadas com o passar do tempo. (9/10 ☠)
Papai Noel e o Outro de Ribeiro Couto é um conto extremamente inteligente que discute a penetração de figuras folclóricas estrangeiras na cultura brasileira. Um encontro fantástico proporciona uma ótima e bizarra discussão sobre o tema. (10/10 ☠)
O cearense Thomaz Lopes consegue na prosa rápida e curta de O Defunto se imiscuir dentro da mente do leitor com a história sombria e angustiante de um homem enterrado vivo. A construção do suspense através da perspectiva do protagonista, partindo do horror de acordar na escuridão de um caixão até sua conclusão chocante, fazem desta história um dos clássicos da nossa literatura de terror. (10/10 ☠)
O paulista Valdomiro Silveira introduz o dialeto caipira na literatura fantástica através de Os Curiangos, com a história de um coveiro que se depara com o cadáver de sua utópica amada. Para o leitor que desconhece os regionalismos desse "dialeto" o texto talvez não seja tão aprazível atualmente, sua leitura exige um certo esforço, mas sua metáfora final, personificada através da revoada dos curiangos, uma espécie de pássaro, ainda permanece com sua força total nos dias de hoje. (9/10 ☠)
A Cadeira de Veiga Miranda é uma história clássica de objeto assombrado. Sua finalidade não é assustar o leitor, mas sim discutir sobre as mudanças sociais da época, personificando o pensamento do passado através da alma presa à cadeira. (6/10 ☠)
A Rita do Vigário de Viriato Corrêa fecha a antologia com chave de ouro ao apresentar uma história protagonizada pela figura folclórica da mula-sem-cabeça. Uma história de fantasmas e maldições que ainda hoje consegue arrepiar e surpreender o leitor durante a leitura. (10/10 ☠)
A antologia O Conto Fantástico é a prova de que o terror sempre esteve presente na literatura brasileira, principalmente dentro da literatura regionalista, cuja inspiração estava nas lendas e superstições do interior. O nosso "horror" pode não ser tão cinematográfico quanto o que importamos lá de fora, mas é tão surpreendente quanto.
Nossas histórias formam um panorama da evolução e da grandiosidade cultural que permeia o povo brasileiro, evidenciam o pensamento da época, as relações sociais e crendices populares. E mais do que isso dão voz e representação a grande parcela popular da nossa sociedade que não encontrava participação na literatura "canônica" que discorria sobre a vida social carioca e paulista do século XIX.
2 Comentários
Que show! Nunca tinha ouvido falar dessa antologia, e ela tem alguns contos de que eu nunca ouvi falar. Vou procurar uma cópia agora mesmo!
ResponderExcluirParabéns pela excelente resenha!
Onde compra??
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