Crenças e mitos sobre vampiros surgiram em várias culturas ao redor do mundo ao longo dos séculos, histórias que mesclavam o misticismo à religião em um amálgama que era uma fonte real de terror para a população, tanto que o vampiro clássico, assim como o conhecemos hoje, o cadáver que se ergue de seu caixão para sugar o sangue dos vivos e assim manter sua aparência eternamente jovem, nasceu através dos relatos de histeria coletiva que assombraram a Europa na Idade Média.
Um dos casos históricos mais famosos que ilustra o clima de horror da época é o de Peter Plogojowitz, que morreu em setembro de 1828, aos 62 anos, em um pequeno vilarejo sérvio. Três dias após sua morte, Plogojowitz apareceu à noite para sua família exigindo comida, duas noites depois quando retornou, seu filho, que se recusou a atendê-lo, foi encontrado morto na manhã seguinte.
O pavor tomou conta do vilarejo quando vários moradores começaram a apresentar os sintomas de uma estranha doença, palidez e indisposição, cuja causa foi identificada como perda excessiva de sangue. Logo se espalharam relatos de sonhos nos quais Plogojowitz fazia uma visita noturna às vítimas para sugar seu sangue através de uma mordida no pescoço. Nove pessoas morreram desta estranha doença nas semanas seguintes.
Um grupo foi reunido para exumar os cadáveres, mas quando os caixões foram abertos foi notado que o corpo de Plogojowitz estava bem conservado, seus olhos estavam abertos e sua pele corada, porém o mais terrível era que havia sangue fresco em seus lábios. Uma estaca foi cravada em seu coração e diz-se que sangue verteu da ferida, seu corpo então foi queimado e os restos de suas supostas vítimas, após verificado não haver sinais de vampirismo, foram envoltos em alho e enterrados em solo sagrado.
Relatos como esse acenderam o temor público dos vampiros, com tamanha popularidade não demorou muito para que as criaturas invadissem também a literatura. As primeiras estórias eram francamente inspiradas em fatos reais e o vampiro era retratado como nada mais que um parasita morto-vivo, cuja única preocupação era a alimentação.
E assim o vampiro começou a assombrar as páginas da ficção, porém o público dessas estórias eram em grande parte nobres que na segurança de seus castelos e mansões viam a tudo aquilo como uma fantasia camponesa. Foi então que o vampiro passou por sua primeira grande transformação, para se inserir no ambiente de seu leitor, a criatura sanguinária ganhou atributos carismáticos e sensuais, uma figura sombria que reina até hoje e cujo filho pródigo mais sombrio é o Drácula de Bram Stoker.
Lançado em 1897, Drácula de Bram Stoker se tornou o padrão de comparação para qualquer outro romance sobre vampiros, seu grande sucesso fez com que as histórias vampíricas se popularizassem e nas décadas seguintes dezenas de livros inflaram o subgênero até a decadência. O mundo havia mudado, duas guerras atualizaram as definições de horror da humanidade e os monstros que jaziam em castelos europeus obscuros já não causavam medo nos leitores. Foi só em 1954 que surgiu outra obra que conseguiu ter o mesmo impacto e ousar para além dos limites conhecidos do gênero. Foi Richard Matheson e seu clássico Eu sou a Lenda.
Matheson inovou ao realizar a dissecação do mito clássico do vampiro através de uma ótica científica, considerando o próprio vampirismo como uma doença, porém mais do que isso, ele é responsável por trazer as criaturas sanguinárias de sua morada europeia para o ambiente comum do americano médio.
Nos últimos anos o apocalipse ganhou popularidade na cultura popular e o tema do apocalipse vampiro voltou a ser explorado pelos escritores. Pode-se destacar como exemplo a fantástica Trilogia da Escuridão de Guillermo Del Toro e Chuck Hogan; o nacional Noite Maldita de André Vianco ou a trilogia A Caçada de Andrew Fukuda. Mas nenhum mergulhou tão fundo no gênero como Justin Cronin e sua Trilogia da Passagem.
E com toda essa explicação histórica este é o exato ponto onde eu queria chegar: para uma obra conseguir se afirmar como um clássico da literatura é preciso forçar os limites do gênero e percorrer caminhos nunca antes explorados; é preciso tatear pela escuridão da incerteza guiado apenas pela luz da criatividade, sem saber o que irá encontrar no final ou até mesmo se chegará até lá. Justin Cronin consegue fazer isso e o resultado é a trilogia A Passagem, um épico que rompe as fronteiras do horror, da ficção científica e da fantasia para ser a obra definitiva sobre o apocalipse vampiro.
A Cidade dos Espelhos é a peça final que se encaixa com perfeição no grande mosaico formado por A Passagem e Os Doze, sua narrativa além de elevar a trama principal a outro patamar, explicita com perfeição cada ponto obscuro deixado pelos livros anteriores. "Origens", "porquês" e "comos" são amarrados com maestria, em nenhum momento Cronin força uma conclusão apressada, as mais de seiscentas páginas do livro tomam o tempo necessário para contar sua estória, seja através dos flashbacks que constroem a base para o entendimento dos acontecimentos do presente ou no próprio desenvolvimento da narrativa.
A estória do último livro da trilogia começa alguns anos depois da conclusão de Os Doze, após um século de escravidão e terror, a humanidade finalmente está passando por uma época de paz e sossego, tanto que a própria lembrança do que aconteceu está começando a desbotar e adquirir o tom místico das lendas antigas.
A Queda aconteceu há tanto tempo que as novas gerações já esqueceram de como era a vida nas grandes cidades, hoje gigantescos monumentos fúnebres que marcam o que a humanidade perdeu; e o mais importante esqueceram que o mal se originou em meio aquelas ruínas e que ainda jaz naqueles destroços, apenas esperando a hora certa para ressurgir. E esse momento se aproxima cada vez mais.
Se você gostou dos dois primeiros livros, A Cidade dos Espelhos não vai te decepcionar. Justin Cronin cumpre com toda a expectativa que cresceu ao longo dos anos, cada segundo de espera para o aguardado lançamento deste livro vale a pena quando você lê a página final e se despede dos protagonistas, o autor consegue surpreender dando um final belo e emocionante para uma trilogia que se iniciou de forma tão violenta e assustadora.
Há muito tempo eu não terminava a leitura de uma trilogia me sentindo tão satisfeito e saciado com as respostas que encontrei, geralmente os autores preferem deixar espaço para a imaginação do leitor completar o quadro final, mas a trilogia A Passagem não. E a sensação é ótima. É uma leitura obrigatória a todo fã do gênero, ou melhor, a todo leitor que adora uma história bem contada.
Título original: City of Mirrors (2016)
Autor: Justin Cronin
Páginas: 688 páginas
Autor: Justin Cronin
Tradutor: Alves Calado
Editora: ArqueiroPáginas: 688 páginas
Compre: Amazon
Nota: ☠☠☠☠☠☠☠☠☠☠ (10/10 Caveiras)
Nota: ☠☠☠☠☠☠☠☠☠☠ (10/10 Caveiras)
2 Comentários
Parece ser muito bom, não li nenhum dos 3, mas fiquei empolgado agora.
ResponderExcluirSão muito bons sim! Ainda não li A Cidade dos Espelhos, mas A Passagem e Os Doze são incríveis. Comecei a ler o primeiro sem nenhuma expectativa, e me apaixonei. Recomendo.
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