A Carta Selvagem é um vírus alienígena que se espalhou pelo planeta Terra há mais de quarenta anos atrás, o resultado de sua propagação foi catastrófico no qual grande parte da população mundial foi atingida. A maioria acabou desenvolvendo mutações horríveis, transformaram-se em monstros arrepiantes, logo foram segregados da sociedade "normal" e ficaram conhecidos como curingas. Uma pequena parte tirou a sorte grande no baralho mortal e recebeu poderes de super-heróis, os chamados ases. Mas diferente de qualquer coisa que você está acostumado a encontrar nos quadrinhos, não há heróis e vilões em Wild Cards, ao menos não na concepção básica destas palavras.
Cada um tem seus próprios interesses, e proteger a população, não é um deles. O diferencial da saga Wild Cards está na forma como ela é escrita, vários autores participaram do projeto, contribuindo com personagens e ambientações que serviram de base para os mais de vinte livros já escritos. A festa toda foi organizada por George Martin e se iniciou em meados dos anos oitenta. A editora Leya já publicou cinco volumes, O Começo de Tudo; Ases nas Alturas; Apostas Mortais; Ases Pelo Mundo e Jogo Sujo. Os três primeiros livros funcionam como uma espécie de trilogia clássica, onde são apresentados os protagonistas e acontece o arco do Astrônomo. Uma nova safra de aventuras de inicia com Ases pelo Mundo.
Ases pelo Mundo poderia ser uma ótima coletânea se não fosse pela exacerbada visão americanizada de seus escritores, há uma nota de superioridade na forma como exprimiram suas visões do resto do planeta, leia-se países pobres do terceiro mundo, baseada em estereótipos que dão a entender que o único bom lugar para se viver é os Estados Unidos da América. Um exemplo é a rápida passagem pelo Brasil, que evidencia o caráter da violência em nosso país, mas não leva em consideração nenhuma das nossas belezas, passando uma imagem ruim da nossa realidade, que chega a ser surreal. Não que todos os contos sejam ruins, não estou generalizando, além de que nem todos os autores são americanos, há algumas pérolas em meio aos textos, mas a grande maioria decepciona. A grande variação de qualidade entre as estórias dificulta a leitura.
Talvez o grande problema se dê por conta da ambientação, como este livro é o primeiro de um novo arco, cada autor tentou criar as raízes de suas estórias e personagens, deixando o desenvolvimento dos mesmos para os próximos volumes. E realmente Ases pelo Mundo faz muito mais sentido após a leitura de Jogo Sujo, já que ambos se complementam. Jogo Sujo liga todas as ações que aconteceram ao redor do globo, com o bairro dos curingas. Na estória de Ases pelo Mundo um grupo de cartas selvagens é destacado para viajar através do mundo, liderados pelo Dr. Taychon e pelo enigmático senador Hartman, para conhecer a situação dos portadores do vírus nos demais países.
É lógico que dezenas de maquinações e conspirações acontecem em cada lugar que visitam, ao invés de ajudar os infectados, a herança que deixam para trás é uma trilha de sangue e destruição. O principal destaque do livro é a apresentação de Ti Malice, uma espécie de vampiro, cujo corpo físico é semelhante ao do Gollum, que se alimenta do sangue das pessoas e no processo as oferece um estado de nirvana, imerso em orgasmos e prazeres inimagináveis. Quem experimenta essa sensação ao menos uma vez, fica mortalmente viciado e se torna escravo da criatura. Malice os chama de seus cavalos.
Ases Pelo Mundo (2015) | Ficha Técnica
Título original: Aces Abroad (1988)
Editor: George R. R. Martin
Páginas: 544 páginas
Tradutores: Petê Rissatti
Editora: LeyaPáginas: 544 páginas
Jogo Sujo recupera a aura fantástica da série. É importante destacar que o livro é dividido em duas partes, a primeira acontece antes e durante Ases pelo Mundo, e é nesse momento que entendemos algumas das ações que os ases e curingas realizaram naquele livro; e uma segunda que narra o retorno desta viagem e suas repercussões. São duas as subtramas principais, que na verdade estão conectadas como todo o resto, uma guerra sangrenta entre gangues que explode nas ruas do bairro dos curingas e a corrida presidencial dos Estados Unidos.
No conflito entre as gangues de um lado temos a máfia e de outro uma organização chinesa conhecida como Punhos Sombrios, a briga é pelo território e os lutadores são curingas e ases com poderes incríveis, as estórias dessa parte são as que tem mais cenas de ação e também são mais sangrentas. Na corrida presidencial de um lado temos um senador, cujos segredos sombrios só o leitor conhece e do outro um pastor "limpo", pessoa não infectada pelo vírus, imerso em um discurso de ódio contra os cartas selvagens.
O problema é que todos os autores que começaram estórias no livro passado querem utilizar seus personagens novamente, alguns deles são relevantes, outros bastante dispensáveis, mas há casos de alguns que por terem uma linha narrativa muito diferente dos citados, são subutilizados. É o caso do fantástico Ti Malice que não decepciona na sua única e rápida aparição. Há um grande potencial de vilão na sua figura, mas que infelizmente passa em branco em Jogo Sujo. O próprio George Martin escreveu um posfácio anos depois, que está presente na edição nacional, se desculpando por sua organização. Segundo ele muitos assuntos foram discutidos, muitas pontas ficaram soltas e o desenvolvimento da trama central às vezes ficou em segundo plano.
Apesar disso Jogo Sujo é uma ótima leitura para quem é fã de Wild Cards, temos o retorno tão aguardado de dois protagonistas, o Grande e Poderoso Tartaruga e outro surpresa. O destaque vai para Croyd Crenson, o Dorminhoco, que é essencial para a ligação das tramas deste volume! A agilidade do texto também tem variação entre os contos, mas o plano de fundo compartilhado diminui bastante essa diferença, de modo que a leitura não fica comprometida. Se você gosta da saga Wild Cards recomendo a leitura de ambos os livros, porém não espere muito de Ases pelo Mundo. Jogo Sujo ao menos é divertido.
Jogo Sujo (2016) | Ficha Técnica
Título original: Down and Dirty (1988)
Editor: George R. R. Martin
Páginas: 528 páginas
Tradutores: Petê Rissatti
Editora: LeyaPáginas: 528 páginas
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