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Resenha | Quando o Saci encontra os mestres do terror, organização de Tânia Souza


Eu cresci no sítio do meu avô em uma pequena cidade do interior do Paraná, numa época em que a internet era um sonho distante e a televisão não conseguia prender a atenção de um menino que adorava brincadeiras ao ar livre, meu primeiro contato com o folclore brasileiro ocorreu por intermédio de minha avó, que apesar de ser uma pessoa extremamente religiosa acreditava no misticismo das lendas e causos que ouviu quando era menina, as estórias que narrava eram diferentes daquelas versões didáticas que anos depois iria aprender na escola. 

Grande parte do que contava servia como uma espécie de aviso para não entrar nas matas que circundavam o sítio, seus causos eram narrados com o coração, com a consciência de alguém que acreditava em cada palavra que contava, isso e a credibilidade que apenas um adulto tem com uma criança me fascinavam completamente e me faziam crer na existência de seus afamados protagonistas fantásticos.

O lobisomem, curupira, boitatá, corpo-seco, mula-sem-cabeça, o Negrinho do Pastoreio e o Saci-Pererê foram figuras presentes na minha infância. Imagine minha surpresa ao encontrar uma coletânea que resgata essas criaturas do esquecimento, não apenas como uma forma de valorização da cultura nacional, mas também adicionando um tempero macabro às lendas. 

Walter Tierno em Cobrança da Pisadeira abre maravilhosamente a coletânea mergulhando o leitor no mundo sombrio dos pactos com criaturas antigas e as consequências sangrentas para aqueles que não honram com sua palavra. Fabiano Vianna a seguir com o misterioso Tempat Bagi Orang Yg Terlantar narra a busca de um estudioso por um antigo livro apócrifo que contem revelações perturbadoras sobre a criação do mundo. Natália Couto Azevedo recria a estória do Negrinho do Pastoreio em Lírios, na beira da cachoeira com um imprevisível desfecho macabro. Nikelen Witter homenageia Edgar Allan Poe em Embornal dos Olhos ao narrar o ataque da gigantesca cobra de fogo Boitatá a uma família do interior. 

Lucas Lourenço em Pacto Hereditário se aproveita da lenda do Saci Pererê para contar uma estória emocionante sobre um pacto misterioso que se revela uma maldição ao ser confrontado com um dilema pessoal.  Cristiano Rosa buscou inspirações nas lendas indígenas para escrever A estrela das Águas, um conto que envolve uma tradição antiga e uma terrível maldição ancestral. Flávio de Souza em Noite sem Lua constrói uma das estórias mais assustadoras do livro ao narrar o encontro de um casal com uma figura de vestes negras e surradas em uma noite escura. 

Felipe Santos em Devoradora de Crianças escreve uma estória angustiante ao dar vida a um dos maiores medos infantis, a Cuca. Lemos Milani visita as lendas que cercam a quaresma nas pequenas cidades em Os Pesares da Noite, com uma estória visceral e arrepiante. Ana Cristina Rodrigues em Fragmento do Mss 135679 da Biblioteca Nacional do Brasil constrói com veracidade uma narrativa que desvenda os mistérios escondidos pela Igreja Católica, através de um manuscrito antigo traz luz a causo assustador de um padre que entra em contato com uma criatura que testa sua fé. 

Dana Guedes em Um causo dos que não se contam na floresta de concreto consegue com perfeição recriar o clima familiar de uma estória contada por alguém que passou por uma experiência sobrenatural, as páginas são povoadas por uma criaturinha de pés virados que fará de tudo para confundir as letras e fazer o leitor perder seu caminho. Eriwelton Alves Soares em Olhos tristes no cinza do asfalto cria uma assustadora versão do corpo-seco com uma narrativa cinematográfica viciante. Cindy Dalfovo em Iara, meu amor reconta a emocionante estória da mãe das águas com um toque de suspense e duas doses de arrepios. Chico Pascoal em Mr. Bierce e o duende dos Pampas transporta o famoso escritor aos recônditos sobrenaturais do sul do país em plena Revolução Federalista. 

Rogério Silvério de Farias em O Horror em Chamas recria de forma fantástica o mito do Boitatá em uma estória que flerta com o toque macabro do mestre Lovecraft. Verônica Freitas em O homem sem mãos invoca a poderosa figura da Mula sem Cabeça em uma narrativa que transpira tensão e mistério. Tânia Souza, a organizadora da coletânea, com o arrepiante Nem todo verão pertence ao sol se imiscui pelas lendas mais aterrorizantes mostrando que muitas vezes alguns relatos possuem raízes na verdade e são uma advertência aos incautos.

Quando o Saci encontra os mestres do terror é uma coletânea que invoca as criaturas fantásticas do folclore nacional do esquecimento que experimentam atualmente através de estórias macabras e assombradas, em uma leitura nostálgica que flerta com o cerne dos nossos medos da infância. Se você conhece cada uma dessas lendas este é o livro que vai reavivar o fogo fantástico dos causos populares em sua imaginação, se ainda desconhece é uma maravilhosa porta de entrada para uma parte essencial da cultura brasileira da qual jamais se esquecerá, é o tipo de livro que deveria ser indicado nas escolas. 

O ambiente familiar do nosso folclore mesclado com o clima de terror e suspense criam o cenário perfeito para o florescimento de pesadelos, o maior êxito dos contos é reproduzir com perfeição a sensação sufocante de medo que permeia as estórias baseadas em fatos reais, o horror está na simplicidade das narrativas que transformam o acontecimento sobrenatural em um reflexo da realidade.

  Quando o Saci encontra os mestres do terror (2012) | Ficha Técnica 
   Organizadora: Tânia Souza
   Autores: Walter Tierno, Nikelen Witter, Lemos Milani et al.
   Editora: Estronho
   Páginas: 240 páginas
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   Nota: ☠☠☠☠☠☠☠☠☠ (10/10 Caveiras)

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6 Comentários

  1. Velho que livro interessante. Vou procurar depois pela net. Acho muito legal quando autores dão essa roupagem para nossas lendas. Gostei pra caramba. Abraços Rafa.

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  2. Nossa não conhecia O.O mas já quero!

    http://meubaudeestrelas.blogspot.com.br/
    https://www.facebook.com/blogmeubaudeestrelas

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  3. Fiquei muito interessado em devorar estes contos. Já vou atrás do meu !

    bomlivro1811.blogspot.com.br

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  4. Olá, Rafa!
    Fiquei muitíssimo interessada nesse livro de contos, principalmente por ter o nome de Walter Tierno ali no comecinho. Faz tempo que venho querendo adquirir e ler Cira e o Velho, do autor, e agora vejo um livro de terror que ele participa e fico ainda mais interessada por ser a respeito do folclore brasileiro, que tanto amo (e morro medo).
    Beijos :*
    https://ourivesdaspalavras.blogspot.com.br/

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  5. onde eu baixo este livro?
    tem onde baixar?

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