O exorcismo na literatura de terror é um tema bastante controverso, suas raízes estão arraigadas no cerne de todas as grandes religiões, cada uma dessas crenças possui seus próprios textos sagrados e rituais utilizados para expulsar espíritos malignos e demônios. Inúmeras obras de ficção e não-ficção já tentaram dissecar o tema da "possessão" a partir de diversas perspectivas, desde a ótica do ceticismo científico até a completa imersão no misticismo religioso, independente da abordagem todas tem um ponto em comum: dialogam diretamente com um dos medos mais profundos da humanidade, o medo do desconhecido.
Um exorcismo é o campo de batalha final localizado entre o plano físico e espiritual onde sacerdotes religiosos enfrentam poderes sombrios além de sua compreensão, colocando sua própria alma imortal em perigo para salvar da danação eterna uma alma inocente. O Exorcista de William Peter Blatty praticamente fundou o subgênero no início da década de setenta, descrevendo passo a passo o processo de possessão de uma jovem e seu consequente ritual de exorcismo. Quarenta anos depois, o que se podia perceber na literatura sobre o tema, eram narrativas que pouco evoluíram em sua abordagem, que percorria a mesma lógica regida pelo clássico de Peter Blatty.
Isto é, até o lançamento de Na Escuridão da Mente de Paul Tremblay, um dos livros de terror mais celebrados dos últimos tempos, vencedor da categoria de melhor livro do Bram Stoker Awards de 2015 e famoso por assustar o próprio mestre do terror, Stephen King. Então você pergunta, o que este livro tem de tão especial? Paul Tremblay mergulha no centro do subgênero para tecer uma narrativa que ao mesmo tempo em que abraça os clichês, através de várias referências à clássicos da cultura popular, percorre caminhos inexplorados atualizando as definições de "possessão demoníaca" para o século XXI.
Na Escuridão da Mente funciona como um catalisador para as próprias crenças do leitor, que é conduzido através de uma trama obscura que a todo momento questiona a própria construção dos fatos: será a protagonista realmente uma alma atormentada por demônios ou não passa de uma adolescente com problemas psiquiátricos lutando para compreender sua própria condição? O véu que separa a realidade da histeria é tão fino que a tensão prende o leitor dentro das páginas até a última palavra na ânsia de uma resposta para seus temores.
O livro traz a história Merry Barrett, uma jovem que através de uma série de entrevistas relembra o período mais traumático de sua infância, o exorcismo de sua irmã mais velha, Marjorie. A partir sua perspectiva infantil da época, ela narra as mudanças no comportamento de sua irmã, visitas a psicólogos e padres e o desespero familiar ao enfrentar problemas financeiros e os ataques cada vez mais comuns de Marjorie. Em meio a todo o horror e desesperados para pagar as dívidas, os Barretts concordam com a ideia de documentar através de uma série de televisão todos os preparativos e o próprio ritual.
A história se constrói a partir do enfrentamento da dualidade entre doença mental e possessão demoníaca ao mesmo em que critica a exposição da mídia e o próprio fanatismo religioso. O horror presente em Na Escuridão da Mente não é do tipo que se baseia em vozes demoníacas ou móveis se arrastando pelos cômodos para impressionar seu leitor, mas sim na profunda e inquietante tensão psicológica que permeia o ambiente familiar, retorcendo pequenos detalhes para causar uma sensação de estranhamento e insegurança que afeta a todos os personagens, até o próprio leitor.
Mas talvez o grande trunfo do livro seja seu final, construído com perfeição a partir das últimas páginas é um grito de horror cujo desespero fica ecoando na mente muito tempo após a leitura. Na Escuridão da Mente é uma obra-prima moderna que vai agradar aos fãs do gênero sedentos por novos pesadelos.
Na Escuridão da Mente (2017) | Ficha Técnica
Título original: A Head Full of Ghosts (2015)
Autor: Paul Tremblay
Tradutora: Ananda Alves
Editora: Bertrand Brasil
Páginas: 266 páginas
Compre: Amazon
Nota: ☠☠☠☠☠☠☠☠☠☠ (10/10 Caveiras)
9 Comentários
Adorei !!... quero muito ler....
ResponderExcluirEstou na metade e simplesmente detestando. Não dá medo nenhum, ao menos até a parte que estou. Esse lance de ficar uma hora pondo a garota como possuída, outra como psicótica, outra como adolescente-cretina-fantasiosa, corta o barato todo. Ah, e a irmã mais nova da 'possuída' é um pé-no-saco!
ResponderExcluirSe fosse mais um livro sobre exorcismos, com todas aquelas teatralidades, talvez não curtisse tanto, o que me assustou foi o final, ao invés de algo fantasioso, o livro toma um tom bem realista que achei interessante. Enfim, espero que o livro te conquiste :)
ExcluirComprei esse livro apos ver as indicacoes de King e do The Guardian na contracapa... Porem, o livro não assusta... Não posso dizer que detestei, porem também não curti e me senti enganado com as resenhas... Cada um tem sua experiencia e a minha foi: nao gostei. O final é, realmente, interessante; porem nao sobrepuja a experiencia ruim de sentir-se enganado enquanto leitor.
ExcluirQuando terminei o livro pensei: que porcaria! Parecia um livro dirigido para adolescentes: bobinho do começo ao fim. Decepção total, sem sustos, sem emoções, sem graça. Esse livro me levou a questionar as resenhas nas quais me baseio para adquirir novos livros, parece que lemos livros diferentes.
ResponderExcluirOlá Cicinha, como eu disse na resenha a construção do medo neste livro não se baseia em sustos mas sim no estranhamento da realidade, do normal. Como sempre digo cada leitor tem uma experiência própria com cada leitura, mas o medo que a história causa é por seu final realista, aquilo poderia acontecer com qualquer família, até a minha ou a sua. Não sei se você lê muito terror, mas esse tipo de escrita tem muita tradição no gênero, pra citar a influência mais óbvia do autor: O Papel de Parede Amarelo de Charlotte Perkins Gilman de 1892, um conto que fala sobre o confinamento e a perda gradual da sanidade, você pode encontrá-lo na ótima coletânea Freud e o Estranho: Contos Fantásticos do Inconsciente de Bráulio Tavares que traz estórias fantásticas analisas através dos conceitos freudianos. Destaque especial para a fala de Freud sobre o "Estranho" que dialoga perfeitamente com Na Escuridão da Mente.
ExcluirAssim como foi com todos os livros que comecei a ler por uma resenha maravilhosa sua, espero que eu ame esse livro como todos os que já amei após apostar numa resenha positiva sua!
ResponderExcluirEstou bastante interessado. Já estou adquirindo o meu exemplar!
Gostei bastante desse livro, quem estiver esperando cabeça rodando ou vomito de ervilha pode esquecer, agora quem espera um livro com grande suspense é um grande final esse é o livro !
ResponderExcluirEsse livro entrou para o meu "Top 10" do ano de 2017, com certeza.
ResponderExcluirCara, que final maravilhoso. O que as pessoas falam sempre, o chamado "soco no estômago" me pegou em cheio na madrugada que eu acabei de ler.