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Resenha | Evangelho de Sangue de Clive Barker


Na década de oitenta a literatura de terror explodiu no mainstream. Grandes nomes do gênero, que habitavam as profundezas abissais da literatura, começaram a perturbar a límpida superfície do mercado editorial com suas vísceras sangrentas, escritores como Stephen King, Peter Straub, Ramsey Campbell e F. Paul Wilson foram os grandes responsáveis pela safra de pesadelos de toda uma geração. Um nome em especial conseguiu incendiar as estantes com seu estilo ortodoxo, misturando um talento prodigioso com uma imaginação infernal, imprimiu seu caminho até o topo em sangue e deixou a todos embasbacados com suas criações.

Seu nome era Clive Barker e o mundo do horror se ajoelhou para receber seu evangelho. Stephen King lhe presentou com a famosa frase: "eu vi o futuro do horror, e seu nome é Clive Barker",  o que é basicamente como o fogo atestar que você é a coisa mais quente do pedaço. Seria forçado dizer que Clive Barker ultrapassou os limites da época, porque sua escrita jamais conheceu limites, cada novo trabalho era um passo em direção a uma nova definição do conceito do que era assustador. 

O horror ganhou uma nova dimensão através das páginas de Hellraiser:Renascido do Inferno, história que sacramentou seu posto entre os grandes nomes do gênero e trouxe para a Terra os assustadores agentes do inferno conhecidos como Cenobitas. Essas criaturas habitam um plano existencial diferente do nosso, seus corpos são abominavelmente modificados por arames, pinos e pregos para que seus músculos e nervos fiquem eternamente expostos, em uma existência conspurcada pelo desespero, na qual os conceitos de dor e prazer se fundem em um néctar de lágrimas, sêmen e sangue. 

A chave para essa dimensão infernal está na resolução do enigma presente na Caixa de Lemarchand, A Configuração do Lamento, um dispositivo  manufaturado no séc. XVIII a pedido de um nobre obcecado por magia negra. Sua função inicial era servir como um portal para o inferno, mas acabou sendo a porta para algo infinitamente pior.  Hellraiser narra a busca de Frank Cotton por esta lenda, segundo os relatos aquele que conseguir desvendar os segredos da caixa terá acesso a prazeres além da compreensão humana. 

Uma jornada difícil, os relatos são escassos e a veracidade dos mesmos é questionável, muitos foram escritos por mentes insanas e transtornadas, algumas anotações falam que a caixa passou séculos guardada no arquivo do Vaticano e então misteriosamente desapareceu,  mas todas são unanimes em revelar a identidade do seu último dono conhecido, o Marquês de Sade, que após desvendar seus mistérios escreveu 120 Dias em Sodoma narrando as experiências que advieram de tal ato. Hellraiser é um caso raro no qual a adaptação cinematográfica é uma extensão do livro na qual foi baseada, Clive Barker roteirizou e dirigiu o filme, que imortalizou a figura Pinhead, o cenobita com a cabeça cheia de pregos. 

O sucesso do filme foi tão grande engendrou várias continuações, tanto que não demorou muito para que os rumores de que ele estaria trabalhando em um novo livro, que concluiria a mitologia dos Cenobitas, se espalhassem. A confirmação oficial aconteceu no final da mesma década. Mas os anos 2000 foram tempos difíceis para o autor, uma extensa batalha contra  problemas de saúde fez com que o projeto fosse colocado em segundo plano. 

Foi em 2010 que Clive Barker surpreendeu os fãs ao anunciar que o primeiro manuscrito do livro estava terminado, mais de 1000 páginas de anotações e uma estória que passaria os três anos seguintes em um pesado processo de editoração. Até que o lançamento foi marcado para meados de 2015. Nascia assim o Evangelho de Sangue, livro que se inicia com um dos prólogos mais insanos já escritos, uma overdose de visões chocantes embaladas numa refinada compilação de cenas que fertilizarão o solo da sua mente para uma bela safra de pesadelos. 

O último grupo de magos se reúne diante do túmulo de um antigo companheiro, para realizar um ritual necromântico, na esperança de que ele possa ajudá-los a enfrentar a provação que está porvir. Uma criatura infernal passou os últimos anos caçando minuciosamente todos os ocultistas do globo em busca de seus segredos, feitiços secretos e grimórios raros. Ele é o Sacerdote do Inferno, vulgarmente conhecido por Pinhead, mestre na arte de causar dor e com um conhecimento singular dos pontos mais sensíveis do corpo humano. Os cadáveres mutilados que deixou pelo caminho são suas obras de arte, frutos de técnicas inimagináveis de tortura, cujo horror estão impressos nos poros da pele.

Desesperados os magos buscam uma saída, uma maneira de sobreviver ao encontro com o Sacerdote do Inferno e falham miseravelmente. Paralelamente, em outro plano de existência, o leitor é (re) apresentado ao detetive sobrenatural Harry D'Amour. Sua primeira aparição no conto A Última Ilusão, presente no sexto volume dos Livros de Sangue, o coloca como o clichê ambulante do detetive  noir perseguido por sua clientela, até que por uma armadilha do destino tropeça no  submundo ocultismo e tem sua existência completamente alterada pela experiência. Vinte anos após esses acontecimentos, Harry está parado no mesmo local onde tudo começou, imerso em nostalgia e embalado por lembranças, as boas e as más.

Pouco resta do jovem e inocente investigador de outrora, os anos deixaram cicatrizes e a sabedoria chegou acompanhada das dores da idade. A estória começa quando o universo destes dois personagens são amarrados com vísceras e tripas enlameadas, durante uma investigação aparentemente "normal"  Harry é confrontado pelos poderes do Sacerdote do Inferno, mas seus caminhos não se cruzaram ao acaso. A criatura está em uma jornada profana que o levará diretamente até o centro do Inferno, e o detetive tem um papel fundamental em seus planos.

Evangelho de Sangue é uma mistura de suspense sobrenatural com fantasia permeado com cenas sangrentas e profanas, Clive Barker mergulha suas mãos nas vísceras pútridas de seu universo de personagens para conectar as cicatrizes de antigos pesadelos, estórias passadas, criando assim interseções de começos e fins. Sua escrita é bastante pesada, carregada de adjetivos macabros e cenas chocantes que fazem até o mais empedernido dos leitores de horror respirar fundo e engolir seco, na tentativa de digerir o que seus olhos leem. 

Como sempre, não indico Clive Barker aos que possuem estômago fraco ou se chocam com facilidade, nada do que você tenha lido antes consegue te preparar para o que é a real sensação de ler uma estória de Clive Barker, a excitação se mescla com a repulsão, uma curiosidade pegajosa e mórbida similar àquela que nos guia em direção a acidentes fatais. Clive Barker conhece como ninguém os recônditos mais sombrios da alma humana, em especial aquele pedaço animalesco que saliva com o cheiro de sangue. A pergunta que todo o leitor que ainda não teve nenhum contato com a escrita de Clive Barker faz é: posso ler Evangelho de Sangue sem ter lido Hellraiser - Renascido do Inferno? 

Minha resposta como fã de horror é um grande não, grande parte do apelo do livro está na nostalgia, sua experiência não será completa sem ao menos ter lido a clássica novela ou assistido a pelo menos os três primeiros filmes da saga Pinhead, embora nenhuma dessas obras tenha relação direta com Evangelho de Sangue, é interessante conhecer os detalhes da mitologia, pois Clive Barker oficializa muitos dos "mitos" do universo cinematográfico, assim como exorciza conceitos que não lhe agradaram, já que sua participação criativa deu-se apenas nos primeiros filmes. 

Um exemplo é o nome Pinhead, Cabeça de Prego, ao qual sempre odiou, em Evangelho de Sangue finalmente pode exteriorizar isso através da fúria do personagem que prefere ser chamado simplesmente de Sacerdote do Inferno. Em Evangelho de Sangue a mitologia cenobita é mesclada com a demonologia cristã, de modo que a origem e funcionamento da Ordem de Gash finalmente são revelados, os protagonistas são transportados literalmente para o Inferno, com descrições poéticas e viscerais de sofrimentos além da imaginação, Clive Barker cria um ambiente poderoso, muito similar ao que se apresenta no seu jogo, Jericho. 

A edição da Darkside Books como sempre é assombrosamente luxuriante, com cada pequeno detalhe imaginado para dar um orgasmo tátil e visual para o fã de horror. A capa é um espetáculo a parte, para quem gosta de ler em ônibus é perfeita para garantir que o banco ao lado sempre fique vazio, adicione a isso um olhar maligno e uma bolha de tranquilidade se formará ao seu redor, mesmo em meio a uma multidão. 

Como o livro é fruto de um manuscrito gigantesco, senti que muitas partes foram cortadas, cenas sangrentas que não adicionariam em nada para a trama, mas que mesmo assim atiçam a curiosidade do leitor voraz por sangue. Se você é fã de Clive Barker vai encontrar em Evangelho de Sangue o acalento que há muito buscava.

   Evangelho de Sangue (2016) | Ficha Técnica
    Título original: The Scarlet Gospels (2015)
   Autor: Clive Barker
   Tradutor: Alexandre Callari 
   Editora: Darkside Books
   Páginas: 320 páginas
   Compre: Amazon
   Nota: ☠☠☠☠☠☠☠☠☠☠  (10/10 Caveiras)

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10 Comentários

  1. Oh, cara! Que resenha é essa?!?
    Sem economia de elogios, você usou os melhores adjetivos para descrever o mestre. Resenha insana, o aperitivo certo antes de um prato principal recheado de vísceras, angústia e podridão. Demais!

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  2. Terminei a leitura e posso dizer que é absurdamente insano e apavorante... quem ler à noite se não estiver acostumado a ler livros de horror vai dormir com as luzes acesas.

    Stephen King reina escrevendo sobre o sobrenatural mas não se enganem... Clive é o Papa, o Sacerdote do Horror a quem King deve pedir a sua benção.

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  3. Eu gostei, mas acho que CB exagerou na dose. Quando ele disse que queria por fim em tudo, ele não estava de brincadeira. E transformou seu detetive numa espécie de Constantine, coisa que nunca foi.

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  4. O livro EVANGELHO DE SANGUE foi uma grande decepção. Arrastado, repetitivo e lento. Gags horríveis, personagens fracos, um desfecho piegas. Demorei 6 meses para ler devido a preguiça que eu tinha para acompanhar a história. Reprovado. Que saudade da leitura dos quadrinhos lançados em 1990 no Brasil.

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    1. Pois é, você tem razão na sua crítica. Clive Barker é escritor de horror e não de terror. Falta a Barker a capacidade de criar um clima de medo. O que ele consegue criar, de fato, é um clima de horror e asco. Mas desta vez até isso meio que falhou. Achei tão espantosas as criaturas por ele narradas, que tive dificuldade em visualizá-las na minha mente, entende?
      O livro começa mesmo muito pesado, bem gore. No meio vira uma espécie de thriller de horror e termina como você disse, piegas e Chico Xavier demais, kkkk.

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  5. KKKKKKKKKKK, PRA MENTES FRACAS E DESAVISADAS NÃO É BOM LER, MAS É UM LIVRO MEDIANO,RAZOÁVEL.
    PREFIRO STEPHEN KING.

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  6. Concordo plenamente com André. ..final decepcionante. Quando dei por mim, era a última página .....E ???? Final à desejar...

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  7. Até o meio estava interessante, depois se perdeu bastante, ficou extremamente pesado até pra Barker, e ao mesmo tempo raso no quesito dos personagens, faltou até mesmo um pouco de criatividade que foi substituída pela descritividade de tudo, não envolveu por exemplo como o desfiladeiro do medo, que achei excelente, pesado mas extremamente criativo e fascinante. Esse ficou a dever, agora que peguei mais dois dele, O jogo da perdiçao e Sacramento, tomara que sejam melhores que esse.

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