Vingança Diabólica de Stephen Gilbert é um dos primeiros livros de terror a explorar e antecipar a temática de animais raivosos em uma história de horror, publicado no final dos anos sessenta passou despercebido até o lançamento da adaptação cinematográfica Willard em 1971, no Brasil, Calafrio. Em comparação ao filme o livro é mais completo, a transformação psicológica do protagonista é melhor nas páginas, a narrativa é escrita em forma de diário o que proporciona um mergulho nas profundezas de sua mente, onde é possível ouvir o ruído dos ratos roendo cada pedaço de sua sanidade.
A maneira como a figura materna e a isolação afetam a mente do protagonista é muito parecida com a que Norman Bates sofre em Psicose de Robert Bloch, o diferencial está na forma como a loucura se infiltra pelas páginas, em Vingança Diabólica é tão sútil que é difícil definir uma linha que a separa da sanidade. O protagonista, que não é nomeado no livro, vive com sua mãe dominadora em uma casa decadente e tem problemas com relacionamentos sociais, principalmente com mulheres, para piorar sua condição possui um emprego ordinário na empresa que antigamente era de seu falecido pai e seu chefe é um ignorante tirano que desconta sua raiva nos funcionários. Em casa sua existência se resume a noites ao lado da mãe ouvindo suas intermináveis reclamações de como ele não é homem o suficiente para tomar as rédeas de sua vida e como as coisas seriam deferentes se seu pai estivesse vivo.
As marcações em seu diário começam quando sua mãe reclama do estado deplorável do jardim, com ervas daninhas crescendo de maneira desordenada em meio a restos apodrecidos de madeira, que servem de ninho para uma infestação de ratos. Decidido a se ver livre das imprecações e das pragas, arquiteta um plano para destruir a família de roedores através de uma inundação total do quintal que consequentemente os mataria afogados.
Mas na hora da execução seu coração é tocado pela expressão quase humana de pavor que os animais apresentam ao lutar por suas vidas, em especial pela "mãe rato" que parece lhe suplicar para salvar a vida de seus filhotes. Começa então sua relação com os ratos. Após o acontecido os ratos passam a lhe tratar com certa reverência, parecem até compreender seus sentimentos, intrigado decide testar a inteligência dos pequenos com exercícios que medem suas reações à voz humana e os limites de sua memória.
Os resultados são impressionantes, logo eles passam a tratá-lo como um deus, confiando cegamente em suas instruções e resolvendo qualquer situação proposta, um exército de ratos a sua disposição. É então que surge a ideia de vingança, inicialmente um simples impulso que rapidamente torna-se uma obsessão, todos irão pagar pelos insultos velados, os risos pelas costas e os olhares de superioridade. Os ratos o ajudarão nessa empreitada. Mas será que ele realmente possui todo esse controle sobre eles? Quem realmente controla quem?
A escrita de Stephen Gilbert é bastante intimista, a descrição decadente da mente do protagonista é angustiante, a cada nova entrada no diário sua visão torna-se mais misantropa e mais antissocial, na mesma medida que sua relação com os ratos aumenta a sua conexão com a humanidade e a realidade se desfaz em pequenas migalhas. O principal triunfo do texto é a maneira inteligente com que é inserida a dúvida da veracidade dos fatos, através de um narrador não confiável, será o horror real ou apenas fruto de uma mente deturpada? Vingança Diabólica é uma leitura interessante que consegue envolver o leitor em um vórtice crescente de loucura e paranoia até um final absolutamente surpreendente.
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