"666: O limiar do Inferno" é o segundo e último romance de Jay Anson, autor de Horror em Amityville, sendo uma espécie de continuação espiritual que se aprofunda em teorias e referências que não puderam ser apresentadas em seu clássico sobre casas mal-assombradas, devido às amarras contratuais de ser supostamente uma história baseada em acontecimentos reais. O resultado é uma narrativa que se apropria de diversos elementos previamente utilizados em Amityville e usa como ambientação o sufocante contexto do "pânico satânico" dos Estados Unidos dos anos oitenta, materializado na existência de uma força demoníaca organizada que trabalha ativamente para conspurcar almas inocentes com o pecado através de rituais e cultos satanistas, para explorar os fundamentos que estão presentes no imaginário popular associado à manifestações sobrenaturais envolvendo a experiência humana.
Jay Anson desconstrói a noção de que uma assombração está ligada a um local ou uma propriedade específica, insinuando que a própria estrutura de uma casa em si pode ser maligna, apresentando uma residência capaz ser transportada inteira em seus alicerces de um local para outro. A casa da história foi palco de um cruel assassinato que deixou cicatrizes na comunidade, a infâmia de sua violência não apenas tornou difícil para o proprietário a tarefa de alugar a casa, mas também incitou uma procissão de curiosos que queriam ver com seus olhos a casa maldita. É dessa forma que o autor insere a discussão sobre a espetacularização da tragédia, um dos efeitos do sucesso dos livros e filmes de Amityville, e subverte a premissa, e se ao invés de você se mudar para uma casa mal-assombrada, a casa se mudasse para sua vizinhança?
A narrativa de "666: O limiar do Inferno" começa com a notícia de um crime cometido na casa número 666 da Bremerton Road, o local havia sido alugado por um político para abrigar sua secretária, com quem mantinha um relacionamento secreto, enquanto buscava uma maneira de conseguir divórcio de sua esposa. Seus dias eram divididos entre as duas residências até que ele surpreendeu seu cunhado na casa conversando com a secretária e num ataque de ciúmes matou os dois. A notícia termina revelando que a residência foi retirada de seus alicerces e nem a transportadora e a imobiliária sabem informar a nova localização da casa. É então que somos apresentados ao casal de protagonistas da história: Keith e Jennifer Olson, que ao voltarem de umas férias curtas no Caribe descobrem que a casa 666 agora faz limite com seu quintal.
Keith e Jennifer Olson vivem em harmonia, o único ponto pouco esclarecido na sua relação é David M. Carmichel, amigo víuvo de Jennifer, cuja riqueza e elegância causam ciúmes de Keith. Esse desconforto sempre foi algo inconsciente, entretanto conforme as sombras da casa 666 começam a se interpor na vida de cada um, pensamentos sombrios e coincidências maquiavélicas começam a distorcer percepções e emoções. Um dos pontos mais assustadores da história é a quase onipotência e onipresença do mal, que age de forma explícita e insidiosa para alterar rotinas e criar pequenas intrigas e rachaduras nas relações, buscando criar as condições perfeitas para que mais uma tragédia aconteça.
"666: O Limiar do Inferno" apresenta uma narrativa mais complexa que Horror em Amityville, em vez de aparições fantasmagóricas, a construção do horror é mais lenta, a partir da sugestão sutil de imagens diabólicas e iconografias satânicas. Jay Anson constrói uma mitologia interessante para a casa demoníaca, por meio de cenas de pesadelos vívidos e exposições religiosas que deixam implícito a existência de um jogo cósmico de poderes que usa a casa como tabuleiro. E talvez isso seja um dos motivos da decepção de muitos leitores que esperam encontrar uma história de assombração comum, mas se deparam com uma obra de clímax sombrio e pessimista que discute fé e condenação a níveis de horror cósmico.
Infelizmente Jay Anson faleceu antes mesmo da publicação de 666, sua carreira como escritor profissional durou menos de três anos, em suas últimas entrevistas afirmava estar trabalhando em outro livro e ter fechado contrato para mais um. Nenhuma informação sobre a existência de tais manuscritos jamais foi revelada. Fica a curiosidade para saber que direções a escrita de Jay Anson tomaria se tivesse mais tempo de vida.
7 Comentários
Muito bom!!
ResponderExcluirÉ um ótimo livro .Tem anos que o tenho. Te prende do começo ao fim. Vira e mexe eu torno a ler .Na minha opinião ,daria um excelente filme.
ResponderExcluirÓtimo livro já li varias vezes, que bom seria se transformasse essa história em filme.
ResponderExcluirJá havia lido "Horror em Amityville" há quase 30 anos e reli. Esse segundo livro, até por não ficar preso a fatos reais, como em seu 1º livro, deveria ser muito melhor e criativo. Mas não é. Com muitas falhas e um suspense que não se sustenta, decepcionou bastante.
ResponderExcluirLi esse livro a anos atrás e nunca esqueci a história, realmente deveria virar filme.
ResponderExcluirUm bom livro. Prendeu minha atenção até o final
ResponderExcluirOlha, achei Horror em Amityville um livro excelente dentro do gênero, genuinamente tétrico. Confesso que dormi com a luz acesa por alguns dias depois de terminar. Deve ser por isso que me decepcionei tanto com esse outro livro do autor. Um enredo atabalhoado, sem sentido, personagens que não despertam empatia, repleto de pequenos sub-enredos que não se interligam. Uma bagunça. A gente lê até o final só pra saber pq "diabos" aquela casa mudava de lugar preservando sempre o mesmo numero. O autor chega ao final e não explica, simplesmente, ou explica muito mal. Eu, pelo menos, não fiquei satisfeito com o que eu li.
ResponderExcluirAliás, um final pra lá de anticlimático. Mas como já se vão mais de 40 anos (minha edição é a original da Melhoramentos), quem sabe eu faça uma revisão. Sem muita empolgação, confesso.